quinta-feira, 30 de setembro de 2010

THE ABANDONED HOUSE Chapter I (TEMPORARY)

Well, I've decided to post an English version of my short story A Casa Abandonada. So, here it is:


I
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We all have ghosts. They can take the form of a longing for someone who left, an unpleasant memory from the past that keeps haunting you, a fear you cannot push away... They are the things that rest engraved in our minds because they are too powerful or too terrible to erase. But can it be more than that?
Ema Salgueiro remembered the winter nights spent by the fireplace at her grandmother’s, listening to the stories about ghosts and haunted places, or people under spells, which her grandmother sometimes read from a book and sometimes made up.
Usually, the ghosts her grandmother spoke of weren’t wicked or dangerous creatures; they were tormented beings who, for this reason or other, were suspended between this world and the next. Obviously, there were evil ghosts, just like there are evil living people, but the simple fact of being ghosts didn’t make them a menace.
The house Ema and her husband were preparing to enter had been the setting for a lot of the tales her grandmother had made up, because of the sombre look it had when Ema was a child. Located at a secluded place and surrounded by wild vegetation, the house had been abandoned more than fifty years ago by the family who owned it and who now lived abroad. Since she was a child, Ema had always felt fascinated by that old imposing mansion. She had even tried to enter it but she had never been able to open any of the heavy wooden doors. She could hardly believe that old stately house now belonged to her! She had managed to save some money by selling some of her sculptures and her husband had contributed with his earnings as an advertising agent. They added the small fortune Daniel had inherited from his grandparents and they both decided to invest the amount in a house. Ema had long dreamed about making that house her own and giving it life, eliminating that gloomy look which the building flashed to whoever passed by. It had been abandoned for so long that she though it might be possible that the owners wouldn’t mind selling it. The hardest part was to get in touch with the family. They had to scour the area looking for someone who might know where they were, make phone calls and send letters to people who, according to what they’d been told, might know something, until finally they met someone who gave them the address and phone number of the owners. As they had been told, they were abroad – more specifically in France – and they welcomed the chance to make some money and, at the same time, get rid of an old dwelling to which they had no intention of going back and which, in fact, they had already forgotten about.
So Daniel hired a lawyer to deal with the paperwork and travelled with him to the village where the owners of the mansion now lived, in order for the contract to be signed. When he came back, Ema threw her arms around him, happy as a little girl. Her childhood dream had finally come true.









quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A CASA ABANDONADA Capítulo V - FIM (PROVISÓRIO)

V

Durante todo um mês, Ema e Daniel presenciaram acontecimentos estranhos. Isolados, nenhum deles parecia ter grande importância e Daniel parecia sempre achar uma explicação lógica para tudo, ainda que nem sempre convencesse a mulher, mais dada a misticismos.
Na verdade, Ema começava a pensar que talvez aquela velha casa tivesse mesmo fantasmas. Lembrou-se das histórias da avó e pensou se seria possível que o casarão, de tanto ter servido de palco a histórias sobrenaturais, se tivesse tornado verdadeiramente habitação de entes de outro mundo. Mas acabava por afastar tais pensamentos com um encolher de ombros.
– Que disparate... Se vou acreditar nisso, acredito em qualquer tolice que me contem...
E nem sequer mencionava essas reflexões ao marido, com receio de que ele achasse que estava ficar maluca.
Contudo, houve um acontecimento que a impediu de duvidar por mais tempo. Um dia, ao entrar no quarto, reparou que estava uma pulseira de ouro em cima da cama. Não era sua. Nem de nenhum pulso adulto, pois era demasiado pequena. Sentiu o coração bater descompassadamente e quase teve receio de se aproximar... Sentou-se ao seu lado, sem lhe tocar. Conhecia-a... Tinha uma medalha, mas a inscrição estava voltada para baixo. Lutou consigo própria para se permitir tocar-lhe. Sentiu a malha, delicada, fina, tão frágil... Foi só quando um soluço lhe morreu na garganta que percebeu como estava emocionada. Virou lentamente a medalha, quase como se receasse o que ia encontrar. Leu a inscrição e levou as mãos aos lábios, incapaz de impedir as lágrimas.
Com amor
da E. para a B.
Olhou à sua volta, esperando ver algo que lhe desse outro sinal, mas estava tudo calmo e silencioso. Demasiado silencioso. Fechou a pequena pulseira na mão e apertou-a contra o peito. Depois, levantou-se e foi até ao andar de baixo. Ao descer as escadas, sentia as pernas tremerem de tal maneira que se agarrou ao corrimão com medo de cair. Tentou pensar no que devia fazer, mas não conseguia pôr ordem na sua cabeça. Telefonar a Daniel e dizer-lhe o que tinha acontecido? Ele ia pensar que estava doida... Não, falava com ele quando chegasse e lhe pudesse mostrar a prova. Chamar a mãe? Não, ela odiava-a desde que Beatriz morrera. Achava que a culpa fora sua. E Ema também acreditava nisso, embora tentasse escondê-lo de si própria. Se, pelo menos, a avó fosse viva... Todos os familiares de quem se conseguia lembrar estavam mortos ou demasiado longe para virem em seu auxílio. Talvez pudesse convidar uma amiga... Não lhe contaria nada do que se tinha passado, pois ninguém iria acreditar. Para todos os efeitos, seria apenas um convite para lanchar e conversar um pouco. Pelo menos, não estaria sozinha. Mas, pensando melhor, estaria demasiado perturbada para agir com naturalidade. Ema não era capaz de pôr em prática nenhum dos seus pensamentos. Ficara completamente sem acção. Limitou-se a ficar sentada no sofá da sala, apertando a pulseira contra o peito e incapaz de parar de chorar.
Quando Daniel chegou, horas depois, ainda estava imóvel, na mesma posição. Já não chorava, mas parecia fitar um ponto imaginário no infinito. Não deu pelo marido entrar. Tinha um ar abatido e exausto. Estava pálida como se tivesse estado doente durante vários dias. Daniel aproximou-se, preocupado.
– Ema? Estás bem? – Perguntou, colocando-lhe uma mão sobre um joelho.
O contacto físico despertou-a. Ema abraçou Daniel como se não o visse há meses.
– Ainda bem que chegaste!
– Ema! O que é que tens? Estiveste a chorar?
– Finalmente, percebi tudo!
– Do que é que estás a falar?
– Já sei quem comeu o bolo e trouxe a rosa... E todas aquelas outras coisas que não sabíamos explicar.
– Quem foi?
– Foi ela!
– Ela, quem?
Ela! A Beatriz... Ela também sabe que a culpa foi minha e quer-se vingar...
A princípio, Daniel não percebeu do que Ema estava a falar. Não conhecia nenhuma Beatriz... Mas depois, lembrou-se.
– Ema, Ema... Não estás realmente a pensar... Ema, a tua irmã morreu há quase vinte anos! Pensa bem, como é que podia ser ela?
– O corpo nunca foi encontrado...
– Sabes muito bem porquê.
– Sim. Caiu ao rio e foi arrastada pela corrente... Pelo menos, foi o que disseram.
– É a única conclusão lógica. Se ela não tivesse morrido, porque só apareceria agora?
– Mas eu não disse que ela não morreu... Morreu, sim, mas quer castigar-me, atormentar-me... Fui eu que a desafiei para irmos brincar ao pé do rio... Distraí-me por uns minutos e, quando reparei, ela tinha desaparecido...
– Isso que estás a dizer... é uma loucura!
– Eu sei. Mas desta vez, ela deixou a prova. Ela quis que eu soubesse que era ela! A pulseira que a minha avó comprou para eu lhe oferecer nos anos. Igual à minha, que ela me ofereceu, no mesmo dia. Está aqui, na minha mão! Vê, vê e diz-me se é imaginação minha!
Mas quando Ema abriu a mão, já lá não estava nada. Ema ergueu-se de um pulo.
– Não pode ser! Tinha-a na minha mão! Ela quer enlouquecer-me!...
Daniel tentou fazer Ema perceber que tudo não passara de uma partida da sua imaginação.
– O problema é esta casa – disse. – Há aqui um certo ambiente de misticismo e tu mesma costumavas dizer que a tua avó te contava histórias de fantasmas acerca deste lugar. Não estou a dizer que estejas doida, mas tudo isso, juntamente com o cansaço de teres tornado esta casa habitável em tão pouco tempo... Anda, vamos jantar, dormir, e vais ver que amanhã tudo te parecerá um sonho.
Ema pôs o jantar na mesa, mas mal lhe tocou. Daniel não insistiu, pois achava que aquilo de que ela verdadeiramente precisava era de descansar. Deitaram-se cedo e cedo adormeceram. De manhã, Daniel voltou a sair para ir trabalhar, deixando Ema ainda deitada. Mas não por muito tempo, pois Ema foi sobressaltada pelo rumor de vozes no andar de baixo e desceu apressadamente. Encontrou a televisão ligada. Desligou-a, tentando convencer-se a si própria que fora Daniel que a acendera e que se esquecera de a apagar antes de sair. No entanto, poucas horas depois, sem que ninguém tivesse entrado em casa, a televisão estava de novo ligada.
– Mas o que é que tu queres, Beatriz?! – gritou ela, como se esperasse resposta. – Queres dar comigo em doida?
Ninguém lhe respondeu. Quando chegou, Daniel perguntou-lhe se tinha acontecido alguma coisa.
– Ela está aqui. Eu sei.
– Ema, por favor! Se não paras com isso, deixamos esta casa e acabou-se!
Mas, apesar de tudo, havia algo que fazia com que Ema não desejasse ir-se embora. Não sabia porquê, mas apesar de o espírito da irmã só ter começado a atormentá-la naquele lugar, e apesar de sentir que, se de lá saísse, tudo terminaria, ela não queria sair.
Nos dias que se seguiram, resolveu não contar mais nada a Daniel. Não via o sentido de lhe contar, se ele não acreditava. As pequenas coisas estranhas que tinham acontecido e que ambos tinham presenciado deixaram de ser visíveis para Daniel à medida que se foram tornando mais inexplicáveis. Não lhe contou da torneira da cozinha que aparecera aberta, nem dos livros caídos na biblioteca, nem da boneca que aparecera e desaparecera em cima da sua cama, tal como a pulseira. Tentou agir como se nada se passasse, mas não conseguia comer e de noite, acordava sobressaltada, julgando ouvir chamar o seu nome. Daniel dizia-lhe que fora só um sonho e ela respondia-lhe que tinha razão, mas já não conseguia voltar a adormecer. Tornou-se magra e pálida e as discussões sobre a mudança de casa sucederam-se.
– Por favor, Ema! – disse-lhe uma vez Daniel. – Olha para ti! És uma sombra do que eras antes de virmos para aqui. Tu é que já pareces um fantasma. Julgas que estou só a ser teimoso, mas não é nada disso. Não sei por que motivo te queres sujeitar a esta tortura, mas, pelo menos, já pensaste que isto também me está a afectar a mim? Julgas que não é difícil para mim ver-te nesse estado?
– Compreendo. Ouve, Daniel. Sei que não tenho sido boa companhia ultimamente, e se te queres ir embora, não te levo a mal. Mas eu fico.
Daniel chegou a pensar que seria o melhor a fazer. Talvez, vendo-se sozinha com os seus fantasmas, ela acabasse por desistir e sair de lá. Mas teve receio de que a teimosia da esposa só a deixasse sair quando já fosse tarde demais. Por isso, revolveu ficar. Não tardou, no entanto, a que um acontecimento viesse precipitar as coisas.
Um domingo, andava Ema a limpar o pó da estante da biblioteca, empoleirada num escadote, quando viu uma forma estranha a ondular perto da janela. Era como que uma sombra transparente de uma criança, algo muito ténue, mas com uma presença muito forte. Julgou ver distintamente os cabelos claros, quase loiros, da irmã, e os braços estendidos para ela. A aparição não durou mais que um instante, mas o susto foi o suficiente para Ema perder o equilíbrio e cair do escadote. Daniel ouviu o barulho e veio a correr. Ema ouviu a voz dele muito ao longe, antes de perder os sentidos. Quando acordou, estava no seu antigo quarto, na sua antiga casa. Sentada ao seu lado, estava a mãe.
– Ema? Não tenhas medo. Estás em casa. O médico diz que bateste com a cabeça, mas não é nada de grave.
Mais surpresa por ver a mãe do que por se achar de volta à sua antiga casa, Ema perguntou:
– O Daniel?
– Está lá para dentro. Vou dizer-lhe que acordaste.
Mas quando a mãe ia levantar-se, Ema surpreendeu-a com uma pergunta:
– O que é que a mãe veio cá fazer?
– Suponho que não te posso censurar essa agressividade... – disse, voltando a sentar-se.
– Por favor, vá-se embora. Eu sei que tem razão, que a culpa foi minha... Ela também voltou para me dizer isso. Mas não acha que já estou a ser suficientemente castigada? Vá-se embora.
– Ema, Ema... Eu nunca achei que a culpa foi tua. Bem sei que te fiz sentir isso quando gritei contigo por a teres levado a brincar no rio, mas depois, quando fomos forçados a admitir que ela não ia voltar a aparecer e tu te tornaste tão triste... Fiquei tão arrependida. Quis dizer-te que não era culpa tua, mas tu afastaste-te cada vez mais e eu não era capaz de falar contigo. Toda a vida me faltou coragem para te dizer que, se alguém tivesse tido culpa, teríamos sido eu e o vosso pai, que não devíamos ter permitido que fossem brincar sozinhas para aquele lugar, sabendo a atracção que o rio era para vocês. Mas agora que tu estás doente...
– Não estou doente – atalhou Ema. – Eu vi-a.
Daniel entrou nesse momento, pois tinha ouvido vozes no quarto e percebera que a mulher devia ter acordado.
– Não vamos voltar, Ema – disse-lhe.
Ema ia protestar, mas ele interrompeu-a.
– Ouve: seja imaginação tua ou não, a verdade é que estás a pôr a tua vida em risco. Não consegues comer, dormir, e hoje, podias ter morrido, quando caíste daquele escadote. Não vou voltar para te ver acontecer alguma desgraça.
Desta vez, Daniel conseguiu convencer Ema. Ele estava assustado e ela não quis ser injusta. Ficaria um tempo na antiga casa e regressariam quando conseguisse convencer Daniel de que já não haveria perigo. Ele conseguiu convencê-la também a deixar-se examinar por um psiquiatra, que concluiu que, agora que ela e a mãe tinham posto os pontos nos “ii”, ela iria, com certeza, melhorar. Mas, apesar de todas as boas intenções, Ema não conseguia afastar o desejo de voltar o mais brevemente possível. Daniel continuava a recusar, embora ela nunca mais tivesse dado sinais daquilo que ele julgava loucura. Mas continuava pálida e magra. Voltar tinha-se tornado uma tão grande obsessão que ela não conseguia pensar noutra coisa.
O psiquiatra aconselhou-o a deixá-la voltar.
– A sua mulher parece-me perfeitamente normal. O único mal que lhe encontro neste momento é essa obsessão em voltar. Vá com ela e se, como penso, ela está bem, não verá mais nada e acabará por se convencer da tolice dessas ideias.
Disposto a voltar, já que era o conselho do médico, Daniel tentou, ainda assim, convencê-la de que o melhor era ficar.
– Escuta. Vamos supor que tu tinhas razão e era mesmo o espírito da tua irmã que te andava a perseguir. Continuas a sentir a sua presença aqui?
– Não. Só naquela casa.
– Então, se achas que ela quer vingança e se só te pode fazer mal naquele lugar, porque queres voltar para lá?
– Não, não! Eu fui uma tola. Ela não me quer mal. Nós éramos gémeas e muito unidas. Quando ela desapareceu e depois chegámos à conclusão que tinha morrido, foi como se uma parte de mim tivesse morrido também. Tenho a certeza de que ela não me quer fazer mal. Acho que está a tentar dizer-me alguma coisa. Eu é que me assustei à toa... Percebes agora porque é que tenho de voltar? Tenho de saber o que ela me quer dizer.
Ao ouvi-la falar assim, Daniel não pôde evitar pensar que o médico estava enganado e que ela não estava tão bem quanto ele julgava, mas, mesmo assim, voltaram.
Para surpresa de Daniel, à medida que os dias foram passando, Ema parecia cada vez melhor. Recuperou as cores e a sua antiga energia, e andava alegre como há muito ele não a via. Ele não sabia que ela continuava a receber mensagens e a ter visões, porque agora que ela se convencera de que tais sinais eram inofensivos, os mesmos já não a perturbavam e ela não tinha dificuldade em escondê-los dele.
Um dia, ao chegar do trabalho, Daniel reparou na grande agitação que havia por trás da casa. A mulher e mais alguns curiosos estavam à beira do precipício que ficava por trás do terraço, e havia carros de bombeiros e também um carro de polícia. Daniel correu a ver o que se passava. Alguns bombeiros tinham descido e outros comandavam as operações. Antes que tivesse tempo de perguntar o que se passava, Daniel ouviu um dos bombeiros que tinham descido dizer:
– Tinha razão, D. Ema. Parece que está aqui um corpo de criança. Ou o que resta dele...
Começou então a formar-se no espírito de Daniel uma ideia do que aquela gente toda ali estava a fazer.
– Ema, não estás certamente a pensar que possa ser...
Mas calou-se, quando ouviu novamente o bombeiro.
– Reconhece isto?
Tinha na mão uma pulseira de ouro, de malha fina e do tamanho de um pulso de criança.
– Tem uma inscrição: “Com amor, da E. para a B”.
Daniel sentiu-se como que atordoado.
– Como foi que?...
– Lembras-te daquele vulto que eu vi na biblioteca antes de cair? Voltou a aparecer e, como percebeu que eu já não tinha medo, deu-me a entender que queria que o seguisse. Trouxe-me até aqui e depois, desceu para o precipício e desapareceu. Compreendi então o que ela me queria dizer. Telefonei ao chefe dos bombeiros, que sabia do desaparecimento da minha irmã, e disse-lhe que julgava que ela estava ali. Perguntei-lhe se podia mandar alguns homens para procurarem o corpo. Ele hesitou, pois acho que também deve ter ouvido dizer que eu andei a ter um comportamento estranho, mas acabou por concordar.
Perante o pasmo de Daniel, que parecia incapaz de articular duas palavras, Ema continuou:
– Compreendi, finalmente, o que ela me queria dizer. Deve ter vindo brincar para aqui, subiu ao terraço que fica por cima da biblioteca e caiu. Ela queria que eu soubesse que não morreu no rio. Ela queria que eu soubesse que a culpa não foi minha. Acreditas agora em mim, Daniel?

FIM

A CASA ABANDONADA Capítulo IV (PROVISÓRIO)

IV

Os primeiros dias decorreram sem incidentes e Ema andava tão entusiasmada que mal reparou em certas coisas estranhas que se passaram. Primeiro, foi a rosa branca que apareceu no chão, à porta do quarto. Na altura, Ema perguntou a Daniel se fora ele que ali a deixara. Ele estivera a apanhar rosas no jardim, mas garantiu que não subira com elas para o andar de cima.
– Deixei-as todas na sala, dentro da jarra, para te fazer uma surpresa. Não te lembras? Talvez tenhas pegado numa para pôr no quarto...
Ema lembrava-se da jarra com as rosas, mas não tinha mexido nela. Comentaram o assunto por mais alguns dias e depois, esqueceram-no, cada um convencido que fora o outro quem levara a rosa para cima, tendo-se depois esquecido.
Depois, deu-se a questão da janela. Uma noite, Ema acordou com um barulho estranho vindo do andar de baixo. Ficou por uns momentos sentada na cama, tentando perceber se estava a sonhar. Quando viu que não era sonho, demasiado assustada para ir sozinha ver o que era, acordou o marido. Não tinham armas em casa, mas não queriam ir desarmados enfrentar um possível assassino, pelo que cada um pegou num objecto pesado e desceram cautelosamente. Na escada, Ema sentiu uma corrente de ar frio.
– É a janela – concluiu. – Está aberta.
Ema tinha razão. O barulho que ouviam era provocado pelo vento que fazia a janela abrir e fechar. Daniel percorreu a casa toda para se certificar de que não havia nenhum intruso, mas, mesmo depois de terem a certeza de que não havia perigo, já não foram capazes de dormir.
– Tens de ter mais cuidado – disse Daniel. – É perigoso esquecer as janelas abertas de noite.
– Eu?! – Eu nem sequer a abri. O descuidado és tu.
– Ema, sabes bem que eu nunca me lembro de abrir as janelas. Tiveste de ser tu...
– Há mais de três dias que não toco naquela janela.
– Então, há mais de três dias e três noites que ela está aberta.
A lógica da resposta pareceu convencer Ema e nenhum se lembrou que era estranho que, estando a janela aberta há tanto tempo, só naquela noite tivessem dado por isso.
Deu-se ainda o caso da fatia de bolo. Todos os domingos de manhã, Ema e Daniel tinham uma espécie de ritual. Gostavam de se levantar cedo e, enquanto ele arranjava o jardim, ela fazia o pequeno-almoço. Costumava deixar o de Daniel em cima do parapeito da janela da cozinha, que dava para o jardim, para que ele não tivesse de entrar para comer. Nesse dia, tinha um bolo que tinha feito na véspera e colocou uma fatia num pires. Colocou o pires e uma chávena de café numa bandeja e colocou a bandeja na janela, como de costume. Em seguida, continuou a tratar do que tinha a fazer, sempre sem sair da cozinha. Não demorou a ouvir Daniel.
– Que tal uma fatia daquele bolo que fizeste ontem?
Virou-se e viu que a fatia tinha desaparecido. Sorriu, bem-humorada.
– Mas que guloso!
Cortou outra fatia e colocou-a no pires. Daniel acabou de arrancar algumas ervas e só depois se aproximou da janela.
– Então, esse bolo?
Ema viu novamente o prato vazio.
– Não achas que é um exagero?
– Do que estás a falar? – Perguntou ele, admirado.
– Ainda agora comeste duas fatias. Três de uma vez é capaz de ser demais. Porque não deixas para o lanche?
– Ema, não comi fatia nenhuma.
Pela primeira vez, Ema percebeu que ele estava a falar a sério.
– Não percebo... Coloquei uma fatia e desapareceu. Pensei que a tinhas comido. Quando pediste o bolo, pensei que querias repetir e pus outra fatia. Se tu e eu não as comemos, o que foi que aconteceu?
– Talvez algum garoto... Percebeu que puseste o bolo na janela e aproveitou a oportunidade.
– E se não foi um garoto? Têm acontecido coisas estranhas desde que estamos nesta casa.
– O que queres dizer? Não estás a pensar que foi algum fantasma...
– Bem... Não, acho que não. Tens razão, era impossível. Mas... E se é alguém a querer assustar-nos? Estamos um pouco isolados, aqui no cimo da colina, e nunca se sabe os tarados que podem aparecer.
– Bom, também já tinha pensado nisso, na noite em que a janela ficou aberta... Mas acho que não nos devemos preocupar. Tenho a certeza de que foi algum garoto que levou o bolo.

A CASA ABANDONADA Capítulo III (PROVISÓRIO)

III
Ema recusou-se a abdicar do prazer de ser ela própria a transformar a casa. Aproveitando o facto de estar de férias, compraram o material necessário e puseram mãos à obra. Ema era a mais dedicada; afinal, era o seu sonho, mas Daniel ajudava no que podia, embora as suas férias já tivessem terminado.
Decidiram conservar a estante da biblioteca e a mesa da casa de jantar. Mas desfizeram-se da cama e da cómoda, pois queriam dar um toque mais pessoal aos quartos. Ema escreveu aos antigos donos a perguntar se desejavam que lhes devolvessem os livros, pois era possível que não se tivessem lembrado deles ao decidirem vender a casa com tudo o que tinha dentro. Para seu encanto, a resposta dizia que tinham muito gosto em que o jovem casal ficasse com os livros.
Após uma limpeza geral que levou quase duas semanas, pintaram o interior e o exterior em tons pastel. Ficaram então à espera das mobílias que tinham escolhido, que chegaram pouco depois. O que demorou mais foi a reparação das canalizações, mas também isso acabou por ficar resolvido. Mal a casa ficou habitável, Ema e Daniel mudaram-se para lá. Daniel dedicou-se então a arranjar o jardim. Não retirou nenhuma árvore ou planta, limitando-se a apará-las e a dar-lhes um aspecto menos inóspito. À vegetação natural da zona, que parecia crescer sem qualquer intervenção humana, juntou algumas flores coloridas para equilibrar a paisagem, dando-lhe um aspecto menos lúgubre.
Quando tudo ficou pronto, deram um jantar de inauguração para o qual convidaram as famílias e os amigos mais próximos. Foram felicitados pela excelente aquisição e, principalmente, pelo trabalho de remodelação que tinham feito. Ao fim da noite, quando os últimos convidados saíram, Daniel sentou-se no sofá e Ema deixou-se cair preguiçosamente sobre o seu colo com um sorriso de satisfação e orgulho. Daniel beijou-a e disse-lhe:
– Parabéns. Conseguiste dar vida a esta velha casa. Estou orgulhoso.

A CASA ABANDONADA Capítulo II (PROVISÓRIO)

II

Ema meteu a grande chave na fechadura e rodou-a com dificuldade. Depois, tiveram ambos de empurrar a porta, que estava descaída e inchada.
– Bom – comentou Daniel, – uma coisa que vamos ter de trocar são as portas...
– Mal posso acreditar que é mesmo minha! – exclamou Ema, sem se importar com o estado de avançada degradação em que os elementos que compunham a moradia pareciam estar.
Era perto do meio-dia e o sol entrava timidamente pela porta que tinham deixado aberta, como se receasse ser um intruso naquela casa que há tanto tempo deixara de frequentar.
A casa não estava mobilada, mas tinha algumas peças de mobiliário que os antigos donos tinham deixado. A sala de jantar, o primeiro sítio onde penetraram depois de terem passado a entrada, era enorme como o salão de um palácio, e tinha apenas uma mesa comprida onde se poderiam sentar mais de vinte pessoas. Estava coberta de pó, bem como o chão. Só uma das janelas tinha ainda o que restava de um vidro; todos os outros tinham sido completamente partidos. Além da sala de jantar, o primeiro andar tinha uma casa de banho, uma sala de estar e um salão amplo, que parecia ter sido construído posteriormente e que, por isso, dava a sensação de ser um anexo, onde se encontrava uma estante cheia de livros. O tecto dessa divisão constituía um terraço e havia uma janela virada para uma grande depressão do terreno, suficiente para causar uma queda mortal a alguém menos cuidadoso. Ema abanou a cabeça com ar de desaprovação.
– Como é possível que tenham deixado para trás todos estes livros?
Pegou em alguns e descobriu que possuía verdadeiras antiguidades, peças de inestimável valor. Ficou satisfeita por ver que, apesar dos muitos livros que se encontravam na estante, havia ainda bastante espaço para pôr os seus próprios livros. À direita do espaço amplo que constituía a entrada, encontrava-se uma pequena porta, apenas com a altura e a largura suficientes para deixar alguém entrar e sair.
– Segundo a planta da casa – disse Daniel – é a cozinha.
Embora não estivesse fechada à chave, tal como acontecera com a porta da entrada, o tempo provocara o relaxamento das dobradiças, fazendo com que a porta descaísse, pelo que tiveram de fazer força para a abrir.
No andar de cima, havia três divisões amplas que tinham servido – e voltariam a servir – como quartos. Havia ainda mais uma casa de banho e uma outra pequena divisão que talvez tivesse servido de sala de costura ou de quarto de brincar. Apenas um dos quartos tinha uma cama e havia uma cómoda noutro. Além do pó, as aranhas tinham feito teias em todos os sítios imagináveis e alguns dos livros da biblioteca tinham sucumbido ao bicho do papel.

A CASA ABANDONADA Capítulo I (PROVISÓRIO)




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Afinal, ainda há mais escrita do passado. Mas desta vez, em prosa. Este conto foi escrito há já alguns anos e de tudo o que escrevi em prosa, parece-me a única coisa que aqui merece estar.





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I
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Todos nós temos fantasmas. Podem assumir a forma de uma saudade deixada por alguém que partiu, uma recordação desagradável do passado que nos persegue, um medo que não conseguimos afastar... São as coisas que ficam gravadas na nossa mente por serem demasiado fortes ou demasiado terríveis para apagar. Mas poderá ser mais do que isso?
Ema Salgueiro lembrava-se das noites de Inverno que tinha passado à lareira em casa da avó, a ouvir as histórias sobre fantasmas e lugares assombrados, ou sobre gente enfeitiçada, que ora tirava dos livros, ora inventava. Regra geral, os fantasmas de que a avó falava não eram criaturas antipáticas, nem perigosas; eram antes seres atormentados que por este ou aquele motivo tinham ficado suspensos entre este mundo e o outro. É claro que também os havia maldosos, tal como acontece com os vivos, mas não era pelo simples facto de serem fantasmas que constituíam ameaça para alguém.
A casa onde Ema e o marido se preparavam para entrar tinha sido palco de muitas das histórias inventadas pela avó, por causa do ar sombrio que tinha na altura em que Ema era criança. Situada num ermo solitário e rodeada de vegetação agreste, a casa fora abandonada, havia mais de cinquenta anos, pela família que a possuía, e que tinha partido para o estrangeiro. Desde criança que Ema sentia fascínio por aquela velha mansão imponente. Chegara a tentar entrar, mas nunca lhe fora possível abrir nenhuma das pesadas portas de madeira. Mal podia acreditar que aquele velho palacete era agora seu! Tinha conseguido juntar algum dinheiro que obtivera da venda de umas esculturas e que o marido ganhara a trabalhar como agente publicitário, juntaram a pequena fortuna deixada pelos avós de Daniel, e ambos decidiram aplicar esse montante na compra de uma casa. Há muito que Ema sonhava tornar seu aquele casarão e dar-lhe vida, fazendo desaparecer aquele ar lúgubre que o edifício exibia a quem passava. Estava abandonado há tanto tempo que julgou possível que os donos não se importassem de o vender. O difícil foi contactar a família. Tiveram de percorrer a região à procura de alguém que soubesse onde estava, fazer telefonemas e enviar cartas a pessoas que, segundo lhes diziam, poderiam saber de alguma coisa, até que encontraram alguém que lhes deu a morada e o número de telefone dos donos da casa. Estavam, como se dizia, no estrangeiro – mais exactamente, em França – e ficaram satisfeitos por se verem livres de uma moradia que já tinham esquecido e onde não pensavam voltar, ganhando ainda algum dinheiro.
Daniel contratou então um advogado para tratar da papelada e viajou com ele até à aldeia onde estavam os donos do casarão, para assinarem o contrato. Quando regressou, com tudo tratado, Ema lançou-se-lhe ao pescoço, feliz como uma criança. O seu sonho de menina estava, finalmente, realizado.






ALCOUTIM (PROVISÓRIO)

Não sei se isto vai dar a algum lado ou morrer antes de começar, mas ao ler Lendas de Portugal, uma obra que consiste na compilação de lendas por concelho, elaborada por Viale Moutinho e publicada pelo Diário de Notícias, tive uma ideia para um projecto de poesia. Projecto esse que consistiria em poemas inspirados nas típicas lendas portuguesas de mouras encantadas e não só. Não pretendendo fazer um poema para cada lenda, não só porque, naturalmente, nem todas me inspiraram da mesma maneira, mas também porque se tornaria repetitivo e monótono, seleccionei as que mais me tocaram e aquelas que mais me pareceram prestar-se à expressão poética.
Como digo, não sei se é um projecto para levar até ao fim ou se a inspiração me falhará a meio do caminho, mas por agora, aqui fica o primeiro poema.
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Em ponto alto do concelho de Alcoutim
Ronda a moura, triste e só, a azinheira
De longo encantamento prisioneira,
Em ânsias esperando aquele que há-de pôr fim
À cruel e arrastada tirania
Dos grilhões de tão espantosa magia.
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E nas ruínas do velhinho castelo
Guarda a moura o tesouro lauto e luzente
Com que há-de presentear o valente
Que chegado o mês de Março se apresente
E se aventure em perigoso duelo
Contra a enorme e reptílica criatura
Que em fúria se há-de lançar da sua lura
Ao ouvir soar a meia-noite em ponto
Para o final e decisivo confronto.
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P’ra trespassar a pele da fera bravia
Armas de fogo não terão serventia
E só a nobreza maior do frio metal,
De lâmina fulgente de espada ou punhal,
Livrará a moura da sua agonia.
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Mas mais tem pesado o medo que a bravura
E continua por vir o cavaleiro
Que tentado por tesouro ou formosura
Venha pôr fim ao já longo cativeiro
Da moura que vai sonhando o dia inteiro
Com quem a furte à sua triste clausura.

A ESCALADA (PROVISÓRIO)

Este, se bem me lembro, foi uma reflexão sobre as dificuldades do meu percurso enquanto estudante.
Claro que hoje não parece ter sido assim tão difícilSmile
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Quantos solitários pensamentos
Atravessam a minha mente
Enquanto o comboio desliza sobre os carris.
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Sempre esta escalada,
Este esforço desesperado para atingir o topo,
Que subida tão íngreme!
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Sempre a subir, sempre a subir,
Sempre com medo de escorregar,
Sempre com receio de pôr o pé em terreno falso.
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Sempre mais um obstáculo,
Mais um trapaceiro e injusto obstáculo,
E eu tão cansada da subida...
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Não há como escapar...
Os caminhos que descem são ainda mais assustadores
E não há caminhos a direito.
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Há que enfrentar a escalada,
Não quero ficar pelo caminho,
Mas os degraus de terra desfazem-se debaixo dos pés.
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Se eu pudesse voar...
Não precisava de escalar a montanha.
Era livre como a andorinha...
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Era amiga íntima do Sol,
Confidente da Lua,
E era feliz!
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1992

MENSAGEM DE SOLIDARIEDADE PARA TIMOR LESTE (PROVISÓRIO)

Bem, andei a vasculhar nos meus escritos mais antigos, a ver se havia alguma coisa que valesse a pena pôr aqui. Resolvi colocar alguns poemas. Não todos. Alguns são tão mauzinhos que até me fazem Envergonhado! Não que os outros sejam pérolas literárias...Língua de fora
Este escrevi-o antes da independência de Timor Leste. Não foi o único que escrevi sobre o assunto mas parece-me o único merecedor de aqui estar. Aqui fica ele então:
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É ainda para ti
É ainda por ti
Que junto a minha tinta
Ao teu sangue
Pois é ainda com sangue
Que a tua terra é regada.
São ainda amargos os frutos
Que os teus filhos colhem.
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Que esteja breve
O fim do pesadelo
E possa de cada espinho
Nascer uma flor.
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14 de Dezembro de 1995

domingo, 5 de setembro de 2010

BILLION, TRILLION...

No inglês britânico, "billion" significa, tal como o "bilião" português, um milhão de milhões (1.000.000.000.000).

Porém, no inglês americano, "billion" significa mil milhões (1.000.000.000).

O "trillion" americano é então igual ao nosso bilião (1.000.000.000.000).

E por aí fora...