Aqui fica mais um pequeno passo, espero eu, rumo à aproximação do género que muito gostaria de vir a constatar ser o meu: o conto. E dentro do conto, uma das variantes que mais me atrai, a chamada ghost story.
Espero que gostem.
Here’s another small
step, hopefully, towards a genre that I would very much like to ascertain as my
own: the short story. And within the short story, one of the variations that
most appeals to me: the ghost story.
Hope you like it. (Version in English coming soon)
Se
o mar falasse, teria muitas histórias para contar. Os pescadores que partem
para ganhar o pão de cada dia e nunca mais voltam, os veraneantes que se
aventuram e desaparecem sem deixar rasto, as vítimas dos cruzeiros que se
afundam, os infelizes que procuram o suicídio nas águas. Os corpos que são
engolidos, tragados para satisfazer a sua voracidade, não descansam nunca,
sacudidos pelas ondas, arrastados pelas correntes até ficarem encalhados em
algum lugar onde a água atrasa a decomposição dos tecidos e o desaparecimento
da matéria. Corpos de gente a quem a família não chega a prestar uma última
homenagem e que nunca encontra uma última morada. Almas condenadas a vagar por
todo o sempre por não encontrarem o descanso eterno.
Paula entrou no quarto secando
energicamente o cabelo com a toalha das mãos. Manuel já estava acordado e a
persiana levantada, mas estivera à espera de que ela saísse do duche, por isso,
ainda estava na cama, a ler o jornal. Quando ele se levantou, Paula lançou-lhe
os braços ao pescoço e beijou-o. Um beijo que foi crescendo, crescendo, até que
já não era um beijo e sim dois corpos à procura um do outro. Manuel gostava
daquela avidez com que ela o desejava, daquela urgência, como se fosse explodir
se não o tivesse naquele momento. Isso fazia com que o seu próprio desejo
despertasse mais intenso e ambos se possuíam sofregamente até à exaustão.
–
Bolas – disse Paula, com um amuo fingido. – Vês o que fizeste? Estou toda
suada. Agora, tenho de tomar duche outra vez.
Manuel
puxou-a pela mão para o duche. Quando saíram, pensaram que talvez já não fossem
a tempo do pequeno-almoço. No entanto, entraram na sala a tempo de pedirem à
senhora que levantava as mesas que esperasse mais cinco minutos. A senhora
aquiesceu, embora Paula julgasse ter notado um olhar de censura contra os
hóspedes que não cumpriam os horários.
– Qual
é o programa para hoje? – perguntou.
– Há
um barco que leva turistas até à Gruta do Naufrágio. – E como que para
responder ao olhar interrogativo de Paula: – Há coisa de sete ou oito anos,
afundou-se um navio de passageiros ao largo da gruta. A zona é muito rochosa e
morreu muita gente atirada pelas ondas de encontro às rochas. Os coletes de
salvação não valeram de muito. De setecentas pessoas, salvaram-se duzentas e poucas.
Muitos dos corpos nunca foram encontrados. – E com um sorriso cúmplice,
acrescentou: – Dizem que a gruta é assombrada pelos espíritos dessas pessoas.
– Parvo
– retorquiu Paula, sentindo um arrepio. – Sabes que não gosto que brinques com
essas coisas.
– Desculpa,
não resisti. De qualquer maneira, não inventei nada. São as pessoas de cá que o
dizem. E tu já estás crescidinha para acreditares em fantasmas.– E não acredito. Mas pelo sim, pelo não... De qualquer maneira, prefiro fazer outra coisa. Vamos experimentar o parque aquático.
Manuel
não tinha a menor vontade de se atirar de uma prancha de dois metros de altura,
nem de se lançar num escorrega até atingir sabe-se lá quantos quilómetros/hora
para depois ser cuspido para a água. E tirando isso, o parque era apenas um
conjunto de piscinas iguais a tantas outras.
– Isso
é para miúdos – argumentou. – Vamos fazer o seguinte: atiramos moeda ao ar. Se
tu ganhares, vamos ao parque. Se eu ganhar...
– Vamos
à gruta. Caras.
Manuel
remexeu no bolso das calças à procura de uma moeda. Fê-la dar uma reviravolta
no ar e aterrar nas costas da mão. Paula fez um sorriso triunfante. Ali estava
a face da moeda de cinquenta cêntimos.
À porta do parque aquático, em vez
da recepcionista que esperavam, Paula e Manuel encontraram um segurança que os
impediu de entrar.
– O
parque está fechado – disse.
– Mas...
hoje é sábado, não é? O parque está aberto de terça a domingo, das 8h às 20h. É
o que diz no horário. – E apontou para o quadrado de papel afixado à entrada.– Houve um problema com o cloro. O rapaz que faz a manutenção enganou-se e deitou cloro a mais. A administração está a resolver o problema mas ainda não sabem a que horas vão poder abrir.
Um
pouco desanimados, Paula e Manuel afastaram-se. Não valia a pena esperar sem
saber a que horas poderiam entrar.
– Será
que ainda dá tempo para apanhar o barco? – perguntou Paula.
– Tens
a certeza de que queres ir?– Porque não? – respondeu ela, encolhendo os ombros. Manuel tinha razão. Não fazia sentido ser supersticiosa.
O
último barco da manhã saía às onze e meia. Manuel olhou para o relógio: onze e
dez. O cais de embarque ficava a vinte minutos. Era à conta, mas se estugassem
o passo, talvez lá chegassem em quinze minutos e ficariam com cinco para
comprar os bilhetes, que eram vendidos no local.
Quando
finalmente se sentaram no barco, com os bilhetes na mão, precisaram de algum
tempo para que a respiração voltasse a ser regular. Agora que ali estavam,
Paula estava contente por o parque estar fechado. Isto era muito melhor. Sentados
no convés, a brisa marinha a afagar-lhes o rosto, o cheiro a maresia...
O barco seguia a uma velocidade constante. Paula pensou que era curioso que os barcos e aviões dessem sempre a sensação de andar mais devagar do que realmente andavam. Ou talvez fosse ela a única a sentir essa impressão.
O barco seguia a uma velocidade constante. Paula pensou que era curioso que os barcos e aviões dessem sempre a sensação de andar mais devagar do que realmente andavam. Ou talvez fosse ela a única a sentir essa impressão.
Ancoraram
a alguma distância da gruta, numa praia onde seria impossível chegar a pé, a
não ser, talvez, para os alpinistas, que não temeriam os rochedos mortíferos e
ameaçadores que a ladeavam.
O
guia explicava que muita gente se aventurava a vir a nado, partindo da praia
vizinha, e embora normalmente esses indivíduos conseguissem regressar, era
elevada a percentagem de pessoas que, apanhadas por tempestades repentinas,
acabavam por morrer pelo caminho, atiradas de encontro às rochas. Isso, para
não falar naqueles que se distraíam com os horários das marés e, a menos que
soubessem nadar muito bem, tinham de procurar um rochedo elevado e esperar, por
vezes até ao dia seguinte, para poderem regressar.
– E
agora, a história por que todos esperam – disse o guia.
E contou como, em 1998, um paquete
regressado da Islândia fora desviado por uma tempestade quando pretendia
alcançar o porto. A ventania arremessara-o de encontro às rochas e ele acabara
por ficar tão danificado que se afundara. Muitos dos botes salva-vidas tiveram
a mesma sorte. Foram poucos os que tiveram a sorte de se conseguir manter vivos
tempo suficiente para resistir à tempestade e esperar por socorro.
– Dizem
– continuou o guia, depois de ter contado o que se passara – que de vez em
quando, nas grutas, se ouvem lamentos inexplicáveis. E também já houve quem
dissesse ter ouvido uma voz feminina cantarolar baixinho. Claro que os cépticos
e os mais inclinados a explicações racionais dizem que devem ser efeitos
sonoros provocados pelo vento.
E
com um sorriso maroto, acrescentou:
– Mas
claro que a nossa povoação sabe a verdade. Que esses lamentos e essa melodia
pertencem à alma de alguém que morreu no naufrágio. Aliás, quem já ouviu diz
que se trata de uma voz jovem, provavelmente, de alguém que morreu antes do
tempo e talvez tenha deixado algo por fazer neste mundo.
O guia terminou a exposição e correu
os olhos pela assistência, como que para avaliar o efeito das suas palavras nos
ouvintes. Parecia satisfeito.
Por um momento, todos ficaram em
silêncio, como se receassem quebrar a espécie de encanto que os envolvia. Até
que alguém riu nervosamente, e como que para sacudir aquela sensação estranha,
disse:
– Suponho
que agora, nos vai apresentar o fantasma...
Todos
riram, gratos por o comentário os ter chamado de novo à realidade.
– Riam,
riam – respondeu o guia. Mas ele próprio parecia divertido e não tinha ar de
quem acreditava em histórias daquela natureza. – Depois não se queixem se o
fantasma vos vier puxar um pé...
Seguiu-se uma visita às grutas. O guia
preveniu que as galerias eram labirínticas e alertou para que não se afastassem;
caso contrário, poderiam perder-se.
Paula e Manuel foram os últimos a
entrar. Sabiam que quem seguia atrás tinha sempre mais tempo para apreciar o
que havia para ver.Lá dentro, estava fresco e ouvia-se o som reconfortante da água. Os visitantes maravilharam-se com as formações rochosas naturais, algumas das quais pareciam mesmo ter sido esculpidas por mão humana.
Paula pensou que as grutas eram realmente labirínticas, tantas eram as ramificações das galerias. Depois de ter andado dez minutos, se não fosse o guia, já não saberia como sair. Era ligeiramente claustrofóbica e quando Manuel resolvia ficar um pouco para trás para apreciar melhor qualquer coisa que lhe tinha despertado o interesse, sentia-se tomada de algum pânico.
– Vamos,
senão, ainda nos perdemos – dizia.
– Calma.
Não vão assim tão à frente.
Mas depois de ter insistido com ele
algumas vezes, disse, exasperada:
– Como
queiras. Se te queres perder, o problema é teu. Eu vou com o grupo.
Manuel tinha ficado para trás para
melhor observar uma galeria coberta de pedras que pareciam preciosas, dadas as
cores e o brilho. Ignorou o comentário de Paula. Certamente, o grupo não se
afastaria tanto em tão pouco tempo e poderia segui-lo pelas vozes. Quando,
finalmente, se sentiu satisfeito e se preparava para seguir os outros, ouviu
alguém rir. Parou instintivamente e olhou em volta, para ver se mais alguém ficara
para trás. Não havia mais ninguém na galeria. Apercebeu-se de que, sem querer,
se demorara mais do que pretendia e começou a temer ter-se perdido. Tentou
ouvir as vozes dos outros, mas o silêncio era total.
– Paula!
– chamou.
Apenas
lhe respondeu o eco da sua própria voz. Sentiu o coração descompassado e as
pernas a tremer. Reparou que a respiração estava bastante acelerada.
Pensamentos assustadores percorreram-lhe o espírito: «E se eu não consigo sair
daqui?».
Correu para a galeria seguinte, onde
também não estava ninguém. E onde reinava o mesmo silêncio sepulcral. Como
seria possível que tivessem desaparecido todos sem deixar rasto? Como poderiam
ter-se afastado tanto que não se ouviam, nem sequer ao longe? Era como se ele
fosse a única pessoa lá dentro. Quando olhou em volta, sentiu verdadeiro
pânico. A galeria era enorme, com um lago no meio, e tinha aberturas que davam
para mais cinco galerias. Como poderia saber por qual deveria seguir?
– Paula!
– voltou a chamar, mas o eco repetia as suas palavras como se zombasse dele:
«Paula, Paula, Paula...». – Ei! Alguém me ouve? Onde é que estão todos?
Olhou em volta, à procura de alguma
pista que lhe permitisse deduzir que caminho tinham tomado. Se alguém tivesse
deixado cair uma moeda, um lenço de papel, qualquer coisa... Nada.
Teve
a sensação de que enquanto não conseguisse abrandar o ritmo cardíaco e
respiratório, não conseguiria pensar com clareza, por isso, sentou-se, fechou
os olhos, respirou fundo e tentou perceber o que seria melhor: continuar às
cegas, sem saber por onde ia, na esperança de encontrar uma saída? Ou esperar
que alguém desse pela sua falta e voltasse, à sua procura? Certamente, Paula já
deveria ter reparado na sua ausência, ela que tanto medo tinha dos caminhos
sinuosos da gruta. Talvez, nesse momento, já o guia viesse a caminho.
Foi então que voltou a ouvi-la. A
risadinha. Desta vez, talvez por já se encontrar num estado de nervos alterado,
arrepiou-se. Pôs-se em pé de um salto e berrou, como que para espantar o
próprio medo:
Desta vez, além do eco, também o
riso se fez ouvir de novo. Era um riso cristalino, simultaneamente inocente e
atrevido, como o de uma adolescente. Contra a sua própria vontade, deu por si a
pensar na história do fantasma.
– Não
tem piada nenhuma! – vociferou.
Devia ser uma partida, concluiu.
Talvez Paula os tivesse convencido a pregarem-lhe um susto, para ver se ele
deixava de ficar para trás. Mas, nesse momento, ouviu um som vindo da água,
como se alguém tivesse atirado uma pedra ou uma moeda para dentro do lago. Mas
não estava lá ninguém além dele. Aproximou-se a tempo de ver os círculos na
água. Tentou descortinar o que havia no fundo do lago. Não era fundo, mas
embora a água fosse límpida, a escassa claridade da gruta fazia com que parecesse
negra.
Uma sensação de humidade debaixo dos
pés distraiu o seu olhar da água por um momento. Olhou para baixo e reparou em
vários fios de água que corriam velozes de diferentes pontos da galeria,
convergindo para o centro. Era evidente que, além de ter aquele lago
permanente, a gruta se enchia de água conforme as marés. Novamente tomado de
pânico, tentou identificar na parede alguma marca que lhe permitisse saber até
que altura a água costumava subir. O que descobriu não foi animador. A marca da
água encontrava-se, sensivelmente, um metro acima da sua cabeça.
Não podia esperar que o viessem
buscar. Talvez nem viessem, se isso significasse ter de entrar na gruta quando
a maré estivesse a encher e colocar em risco a vida de outras pessoas. Paula
tinha razão; ninguém o mandara ficar para trás. Agora, se queria salvar-se,
tinha de se desenrascar sozinho. Resolveu espreitar as cinco saídas da galeria.
Mas quando se aproximou da primeira, voltou a ouvir a agitação na água do lago.
Encolerizado, correu para lá, como se lá quisesse chegar antes que a causa
dessa agitação fugisse. Mas ficou gelado ao ter a sensação de ter visto um
rosto jovem e feminino, com um sorriso trocista, desvanecer-se com a ondulação.
Furioso, fechou os olhos para ganhar coragem e, de punho cerrado, enfiou a mão
na água. Chegou a ter medo de que ao retirar o braço, viesse agarrado a ele
alguma espécie de monstro marinho, uma serpente... «Estou a ficar louco».
Voltou a enfiar a mão no lago, desta vez, com mais calma, tacteando o fundo, à
procura do que pudesse ter caído lá dentro. Sentiu vários objectos, redondos,
de vários tamanhos, mas todos pequenos. Eram moedas. Sabia que as pessoas
costumavam atirar moedas para os lagos dentro das grutas, pedindo desejos. Ele
próprio já o fizera. Mas depois, tocou num objecto um pouco mais grosso, de
feitio irregular. Embora em contacto com a água fosse difícil saber ao certo, o
toque pareceu-lhe vítreo. Retirou-o e observou-o. Era uma pedra azul clara,
translúcida, em forma de cavalo-marinho. Possivelmente, um pendente. Na parte
da cabeça, tinha um pequeno encaixe, redondo, que devia ter contido outrora o
olho do animal, mas que agora estava vazio. Não era entendido em joalharia mas
pela forma como rebrilhava, mesmo na claridade reduzida da gruta, percebeu que
devia ser verdadeira. Uma safira, talvez. As safiras costumavam ser azuis
escuras mas sabia que também as havia bastante claras. Por momentos, pensou se
não deveria deixá-la onde estava. Talvez alguém a tivesse deitado lá para
dentro, na fé de que lhe fosse concedido algum desejo especial. Por outro lado,
se era uma pedra verdadeira, era mais
provável que a tivessem perdido. E depois? Se calhar, já se tinham passado anos
e nunca iria encontrar a dona do pendente. Não queria ficar com ele. A não ser
para o devolver, no caso de ter sido mesmo perdido. Continuava a pensar para
consigo: «O melhor é não me meter e deixá-lo onde está», mas parecia que uma
força o impedia. Meteu-o no bolso, dizendo a si mesmo que se o guia não
conseguisse localizar a pessoa a quem ele pertencia, ou se esta dissesse que o
deitara à água de propósito, ele mesmo se encarregaria de voltar e de o
devolver ao lago.
Sentiu um arrepio. Assustado,
reparou que a água lhe dava já pelas canelas. «Tenho de sair daqui».
Uma a uma, espreitou pelas saídas da
galeria. Duas não iam dar a lado nenhum. Uma tinha apenas uma saída. As outras
duas tinham, respectivamente, três e quatro saídas. Disse para si mesmo que
sairia sempre pela galeria que tivesse menos saídas. Sabia que não tinha lógica
e que a saída correcta podia muito bem ser outra, mas precisava de um plano
para não se deixar dominar pelo desespero. Mesmo que não fizesse sentido. De
vez em quando, gritaria, na esperança de que alguém o ouvisse.
Por vezes, tinha a sensação
enervante de ouvir a mesma risada. Ecoava pelas paredes da gruta mas, ao mesmo
tempo, parecia longínqua. Era como se alguém o tivesse fechado ali e se risse
dos seus esforços para sair.
A água chegava-lhe já aos joelhos e
era cada vez mais difícil andar. Quando lhe chegou à cintura, sentiu uma
vontade incontrolável de chorar e quanto mais lutava para se controlar, mais
tenso ficava e menos controlo tinha de si próprio. Quando chegou a uma galeria
onde o chão terminava abruptamente, dando lugar a uma queda de água, pensou que
era o fim. Não era fatalista, mas parecia realmente que o destino estava contra
ele. Se a morte por afogamento não o horrorizasse, talvez tivesse desistido.
Mas não podia suportar a ideia de se ver debaixo de água, sustendo a respiração
até não aguentar mais para não engolir água, até ser inevitavelmente vencido e
sentir a água a invadir-lhe lentamente os pulmões, numa morte agonizante...
Era evidente que, por ali, não podia
seguir. «Vou voltar para trás e procurar outra saída». Mas no momento em que a
ideia se formava no seu espírito, desequilibrou-se para a frente e foi
arrastado pela queda de água. A aflição foi tão grande que não chegou a saber
se gritou ou se o susto o deixara mudo. Enquanto caía pela cascata, os seus
pensamentos corriam tão depressa como a água: «Vou-me esborrachar lá em
baixo... Nunca sobreviverei à queda... Se sobreviver, serei arrastado pela
corrente e sabe-se lá onde irei parar... » Aterrou com violência nas águas lá
em baixo e a água logo o reclamou e começou a arrastá-lo. A velocidade era
estonteante e o barulho, ensurdecedor. Não se passou muito tempo até nova queda
de água o arrastar para um plano ainda mais inferior da gruta. Mas desta vez,
ao aterrar, não foi arrastado pelas águas. Ali, não havia corrente e a água
dava-lhe apenas pelos joelhos. Na verdade, aquela queda de água corria
devagarinho e, talvez por isso, não amortecera tão bem a sua queda. Reparou que
esfolara o tornozelo, possivelmente, de encontro a uma rocha. Não lhe doía nem
sangrava muito, mas o aspecto não era animador. Fazia lembrar os joelhos
esfolados das crianças irrequietas.
Mais calmo, agora que não tinha de
lutar contra a corrente, tentou perceber como seria possível que aquela
galeria, abaixo do nível das outras, não estivesse inundada. Talvez tivesse a
ver com a direcção das correntes. Sim, devia ser isso. Não tinha reparado
porque o pânico o não permitira, mas algures lá em cima, a água deveria seguir
por mais do que uma direcção. A maior parte, obedecendo à corrente. E apenas o
excedente ia parar àquela galeria. Mas estava demasiado grato pela ausência da
água para perder tempo a tentar desvendar as leis da física que a tinham
desviado.
Pensou se a pedra não lhe teria
caído do bolso no meio de tantos rebolões. Levou a mão ao bolso e os seus
receios confirmaram-se. Teve a sensação de que não era um bom presságio. Mas de
momento tinha coisas mais prementes em que pensar.
Um fio de luz escoava-se pelo tecto
da gruta e embora este estivesse demasiado distante para que o pudesse ver,
isso só podia significar que, lá em cima, havia uma abertura. E se o tecto
estava tão longe e mesmo assim, a luz chegava lá abaixo, era porque, com
certeza, tinha tamanho suficiente para um homem passar por ela. O problema era
que Manuel não tinha corda para escalar. Procurou apoios para as mãos e para os
pés. Para um bom alpinista, seriam os suficientes. Manuel não tinha experiência
nessa área, mas era um homem desesperado e contava que a necessidade lhe
aguçasse o engenho. Sabia que a probabilidade de uma queda era elevada, mas não
tinha nada a perder. Se ali ficasse, morreria de certeza. Fincou as mãos na
rocha e pôs o pé no primeiro apoio, prometendo a si mesmo que não olharia para
baixo. Assim subiu cerca de seis metros, mas em breve teve de parar para
recuperar o fôlego. O esforço físico e psicológico era brutal e estava
ofegante. Além disso, a humidade e o ar salgado da gruta, em conjunto com o
esforço da escalada, faziam-lhe arder o ferimento do tornozelo e as dores começavam
a ser insuportáveis. Sempre que mudava o pé para um apoio mais alto, temia que
lhe faltassem as forças e acabasse por se estatelar lá em baixo. E quanto mais
subia, maior era a tentação de olhar para baixo, como se, do fundo da gruta,
uma sereia o encantasse só para o atrair para a morte. Como que para se impedir
de ceder a essa tentação, forçou-se a olhar para cima. Não se avistava ainda a
abertura, mas Manuel reparou, com certo alívio, que uns dois metros mais acima,
havia um nicho na rocha. Lá, poderia descansar e esperar que o repouso
contribuísse para aliviar as dores.
Com um grunhido de esforço, lançou a
mão ao apoio mais acima e, de dentes cerrados, concentrou-se novamente na
escalada. E só parou quando conseguiu alcançar o nicho, onde imediatamente se
abrigou. Sem perceber muito bem porquê, foi tomado de um riso nervoso, quase
histérico. Como se troçasse da rocha que o tinha tentado vencer sem sucesso,
embora soubesse que o combate ainda não tinha terminado. O nicho não era muito
grande. Tinha altura suficiente para acolher um homem sentado e, quanto à
largura, para não ter de se encolher, Manuel teve de ficar com as pernas de
fora.
Depois de alguns segundos a
recuperar o ritmo respiratório, Manuel examinou o tornozelo. Não havia
hemorragia, mas também ainda não formara crosta. Em volta da carne viva, Manuel
reparou numa aguadilha amarelada, o que o fez recear uma infecção.
Estava tão exausto que resolveu
encostar-se e fechar os olhos para descansar. Talvez por causa do cansaço,
sentiu-se como que a flutuar. «Não posso adormecer», pensou. «Estou fraco e
posso perder os sentidos».
Quando um raio de sol o fez acordar,
percebeu imediatamente que a cama e o quarto onde estava não eram os do hotel.
Olhou em volta, tentando situar-se. Viu que a divisão era redonda, o que só lhe
pareceu estranho durante uns segundos, pois quase de imediato se apercebeu de
que devia estar no farol. E com efeito, antes que tivesse tempo de se sentir
confuso sobre a forma como lá fora parar, o faroleiro entrou, trazendo numa mão
uma caneca fumegante e na outra uma garrafa de whisky.
Manuel sorriu interiormente, sem
poder deixar de sentir uma certa ternura por aquele homem que não conhecia. Com
a sua barba branca e a pele do rosto crestada por anos de sol, além da figura
entroncada mas bonacheirona, o faroleiro tinha uma tão perfeita aparência de
lobo do mar que mais parecia saído de um velho conto.
–
Ah! – exclamou ele, ao dar com Manuel já desperto. – Vejo que já acordou. Teve
muita sorte em não se afogar.
Manuel
tinha mil perguntas a fazer, mas talvez por não saber por onde começar, nenhum
som lhe saiu da garganta. Pensou que devia estar com a maior cara de parvo do
mundo. Mas talvez não fosse a primeira vez que aquele lobo do mar salvava
alguém de morrer afogado e por isso, não se espantou com o espanto de Manuel.
–
Chamo-me Ricardo – disse. – Ricardo Alves.
– Manuel
Dias...
Estendeu-lhe
a caneca de café fumegante, onde deitara um fio de whisky.
– Tome.
Não sou médico, por isso, não sei se faz bem ao corpo. Mas não é a primeira vez
que socorro um náufrago e posso garantir que faz bem à alma de quem passou por
tal susto. Ora então conte lá o que é que lhe aconteceu.
Manuel
engoliu um trago de café e sentiu a gostosa sensação do calor espalhar-se-lhe
pelos músculos.
– Não,
meu amigo. Eu encontrei-o fora da gruta, em cima de uma rocha rodeada de mar.
Por isso lhe disse que tinha tido muita sorte em não se afogar. Quando o vi,
pensei que estava morto. Mas depois de o içar para o meu barco, percebi que
estava apenas inconsciente.
Manuel
ficou confuso. Sabia que não saíra da gruta pelo próprio pé. Se não fora o
homem que o resgatara, quem o teria tirado de lá? Mas a sua confusão durou
apenas alguns segundos, pois o seu pensamento virou-se de repente para Paula.
– Esteja
à sua vontade. Consegue levantar-se ou quer que seja eu a ligar?
Manuel
pôs as pernas de fora da cama e experimentou pôr-se de pé. Não estava demasiado
abalado.
– Aqui
está o telefone – disse Ricardo. Mas um pequeno objecto poisado ao lado do aparelho
gelou o sangue de Manuel.
– Sr.
Ricardo – chamou, esquecendo-se por momentos de Paula. – Esta safira... Tinha-a
comigo, quando me encontrou?
Pareceu
a Manuel que o rosto do faroleiro empalideceu antes de responder; como se
tivesse reencontrado qualquer coisa que preferia que estivesse perdida para
sempre.
– Não
é uma safira – respondeu, por fim. – É uma água-marinha. E porque haveria o
senhor de ter a jóia da minha filha?
Manuel
sentiu-se tomado de um súbito pânico. Sentiu-se como se lhe tivessem dado um
murro no estômago. Foi a custo que escondeu do faroleiro a inquietação.
– Tem
uma filha? – perguntou, tentando adoptar o ar natural de quem pergunta por
perguntar.
– Tive.
Mas morreu.
E
como que habituado à curiosidade de quem não entende como os filhos partem
antes dos pais, acrescentou:
– Afogou-se
num naufrágio.
– O
do paquete islandês? – perguntou Manuel, lembrando-se da história que tinha
ouvido contar.
Tomou
o silêncio como confirmação. Tentando quebrar o constrangimento de ambos, pegou
no telefone, mas ficou com o dedo suspenso ao perceber que não tinha linha.
–
Não tem sinal.
Ricardo
levantou um par de olhos surpreendidos. Dirigiu-se à pequena mesa redonda, de
madeira, com três pés, onde se encontravam, semi-espalhados, alguns jornais, papéis
soltos e também a correspondência. Pegou no envelope que estava por cima, que
estava aberto, e retirou o conteúdo.
– O
prazo limite é só para a semana. Não o podem ter cortado por falta de
pagamento.
– Será
avaria? Tem telemóvel, para ligar para a companhia?
– Não,
amigo. Isso é areia demais para a minha camioneta. Burro velho não aprende
línguas.
Manuel
achou que, realmente, as tecnologias modernas não combinariam com o quadro do
velho lobo do mar. Mas parecia-lhe estranho que personagens assim existissem de
verdade, fora das páginas dos livros ou dos ecrãs de cinema.
–
Bom – disse, – de qualquer forma, já me sinto bem. Posso voltar para o hotel.
Sabe dizer-me se o Hotel Cova da Sereia é muito longe? Não sei muito bem onde
estou. Será melhor chamar um táxi?
– Nada
disso – respondeu Ricardo. – Era o que faltava, eu deixar abalar um náufrago
assim, sem sequer ter sido examinado.
– Não
se preocupe. Prometo que assim que me encontrar com a minha mulher, vou
direitinho ao posto médico para ver se está tudo bem e para me mudarem o
curativo que me fez.
Na
verdade, não fazia grande tenção de cumprir a promessa, uma vez que o organismo
não lhe enviava nenhum sinal de que tal fosse necessário.
– Qual
curativo?
– Do
tornozelo.
– Amigo,
eu não lhe fiz curativo nenhum porque não foi preciso. Vi que trazia um penso
novo e limpo. Nem sequer estava molhado. Achei melhor não lhe mexer.
Mais
uma vez, Manuel sentiu-se pouco à vontade com tanto mistério.
– Sr.
Ricardo, desculpe a pergunta... Essas histórias que contam sobre os lamentos
das almas dos náufragos...
O
semblante de Ricardo tornou-se sombrio, certamente, por saudades da filha
morta.
– Desculpe,
sei que deve ser um assunto doloroso. Mas aconteceram-me coisas estranhas na
gruta. Só quero ter a certeza de que não estou doido.
– Senhor
Manuel, eu acredito na vida depois da morte, mas se a minha filha quisesse
comunicar-se com alguém deste mundo, seria certamente comigo. Quanto aos outros
náufragos, não lhe sei dizer o que é verdade e o que é mentira. Só sei que
nunca vi nem ouvi nada disso que contam. Seja como for, nunca permiti que um
náufrago daqui saísse sem ter sido examinado. Eu vou buscar o Dr. Artur. A esta
hora, costuma estar no café. E de caminho, aproveito para ligar para a
companhia dos telefones. Se tiver fome, há comida no frigorífico, lá em baixo,
na casa das máquinas.
Manuel
percebeu que, longe de estar apenas a ser amável, muito possivelmente, Ricardo
ficaria ofendido com uma recusa. Embora um pouco contrariado por manter Paula
sem notícias durante mais tempo, fez sinal com a cabeça de que acedia ao
pedido.
Ricardo
saiu e Manuel sentou-se no sofá, disposto a esperar. Ainda pensou em pegar no
jornal para ver se passava mais depressa o tempo até Ricardo voltar, mas acabou
por desistir da ideia. Quando tinha pressa, nunca se conseguia concentrar mais
de três segundos seguidos. Depressa começou a ficar ansioso e a sentir que o
tempo razoável para o faroleiro voltar já tinha passado. «Onde raios se meteu o
homem?», pensou. Descruzou as pernas, fez deslizar as mãos sobre elas até ao
joelho e suspirou. Voltou a cruzá-las e fez um trejeito com o nariz e os
lábios, coisa que sempre acontecia quando estava impaciente. Por fim,
levantou-se, irritado. «Vou-me mas é embora. Deixo-lhe um bilhete a dizer que
não podia esperar mais e depois logo lhe escrevo ou telefono a agradecer».
Mas
quando se levantou, os seus olhos foram bater por acaso na água-marinha e a
confusão voltou ao seu espírito. Porque haveria no farol uma pedra igual à que
encontrara na gruta? Seria a mesma pedra ou apenas uma igual? Um cavalo-marinho
de água-marinha não devia ser assim tão comum… E via agora que também esta
apresentava, no mesmo sítio, um pequeno encaixe redondo e vazio. Mas como
poderia a pedra que tinha achado e depois perdido na gruta estar agora ali? E o
que significavam todas aquelas coisas que lhe tinham acontecido na gruta?
Ricardo tinha dito que a jóia era da filha e Manuel sentiu curiosidade sobre a
rapariga. Visto que tinha morrido, seria má educação – até crueldade – fazer
perguntas sobre o assunto ao faroleiro. Mas talvez houvesse qualquer coisa no
farol que o pudesse ajudar a dar um sentido a tudo aquilo. «De resto, nunca vi
um farol por dentro», pensou. «Já que aqui estou…»
Deu
uma rápida olhadela à divisão onde estava, que servia de quarto ao faroleiro,
mas tinha também alguns elementos de sala, como o sofá onde se tinha sentado, a
mesa do telefone e ainda a pequena mesinha-de-café repleta de jornais, revistas
e correspondência. Ali, não havia nada.
Saiu
para o corredor e viu a escada em caracol que, do ponto onde ele estava, subia
e descia. Começou a descer, mas parou a meio, com a estranha sensação de que o
silêncio se tinha tornado mais denso, mais pesado. Como se de repente, o farol
fosse a única coisa que existia no mundo. Isso fê-lo sentir-se desconfortável,
pouco à vontade. Era a mesma sensação que tinha tido na gruta, quando ao tentar
encontrar o grupo, se tinha apercebido do silêncio absoluto que o envolvia.
A
impressão de que alguma coisa tinha passado a voar por trás de si fê-lo
virar-se instintivamente. Pareceu-lhe ver, pelo canto do olho, a ponta
esvoaçante de um vestido claro, talvez branco, mas foi uma coisa tão rápida que
não saberia dizer se de facto a tinha visto ou se era apenas a imaginação a
pregar-lhe partidas. O desconforto deu lugar ao medo. A vontade que teve foi de
se precipitar para a saída o mais depressa possível, mas aquela sensação de que
havia uma coisa estranha atrás de si, embora o arrepiasse, também lhe
despertava como que uma obsessiva curiosidade. Virou-se, mas não estava lá
nada.
Teimosamente,
desceu até ao rés-do-chão e entrou na casa das máquinas. Viu um gerador e
várias outras máquinas que não conhecia, mas que calculou que fizessem parte do
mecanismo que fazia funcionar o farol. Havia ainda um frigorífico e uma mesa
rectangular, pequena, tipo mesa de campismo, e uma cadeira simples. Aquele espaço
devia servir também de escritório ao faroleiro. Não parecia lá muito
confortável, mas também não devia precisar de o usar com frequência. Havia uma
agenda, um bloco de notas e uma caneta. E no canto esquerdo da mesa, havia uma
moldura com uma fotografia. Uma fotografia de busto de uma rapariga e um rapaz,
com o braço em volta dos seus ombros. Reconheceu imediatamente o homem. Era o
guia da visita às grutas. Manuel não conseguia perceber que idade teria a
rapariga que estava ao seu lado. Era jovem, isso era certo. Mas parecia-lhe que
tanto poderia ter quinze anos como vinte e cinco. E era bonita como todas as
jovens, embora Manuel não a achasse fascinante. Os cabelos, compridos, poderiam
ter sido morenos se ela vivesse noutro lugar, mas ali, sob o efeito do sol e do
sal marinho, eram quase loiros. E os olhos castanhos eram vivos e risonhos.
Inocentes, mas não propriamente ingénuos, pois também havia neles um rasgo de
travessura. Isso fê-lo lembrar-se do riso que ouvira na gruta e do rosto que
pensara ter visto desaparecer no lago. Fora uma coisa tão breve que não saberia
dizer se era o mesmo rosto... Mas não, com certeza que aquilo que vira na gruta
fora apenas fruto da imaginação, ilusão de óptica das águas, misturada com o
terror de estar sozinho num lugar que ia inundar-se a qualquer momento e de
onde ele não sabia como sair. Mas depois, apercebeu-se de que a rapariga tinha
qualquer coisa ao pescoço. E não se surpreendeu quando confirmou que era a
pedra azul em forma de cavalo-marinho. Só que ali, o encaixe estava preenchido
por uma pequena pedra redonda e verde.
Então,
era aquela a filha do faroleiro. E tudo indicava que havia uma relação íntima
entre ela e o guia das grutas. Lembrou-se de como ele contara a história do
navio que se afundara e das almas que supostamente vagavam pelas grutas.
Admirou-se que alguém com uma ligação pessoal a uma das vítimas falasse com
tanta ligeireza sobre o assunto, brincando com as histórias sobre possíveis
assombrações. Manuel achou que ainda que o homem fosse céptico e não
acreditasse em nada daquilo, teria de ser frio como gelo para que aquilo não o
afectasse. Mas no fundo, talvez não passasse de uma defesa. Afinal, contar
aquela história vezes sem conta fazia parte do seu trabalho e se não tentasse
distanciar-se, como poderia suportá-lo?
Manuel
suspirou, pensando que o mais provável era que nada do que pudesse encontrar
explicasse claramente as coisas que lhe tinham acontecido. Seria melhor deixar
o tal bilhete ao faroleiro e esquecer toda a experiência daquele dia? Estendeu
a mão para o bloco de notas, mas a mesma sensação de que havia algo atrás de si
fê-lo virar-se de novo, certo de que, mais uma vez, nada lá iria estar. Porém,
estacou horrorizado. À porta, de pé, mas levitando uns bons dois palmos acima
do chão, estava uma mulher. Era jovem e era bonita, ainda que não deslumbrante.
Manuel poderia ter pensado que se tratava de alguma ilusão de óptica, de alguma
partida de mau gosto, mas não. Embora nunca tivesse visto um fantasma – nem
nunca tivesse acreditado propriamente na sua existência – soube imediatamente
que era isso que ela era. E o seu rosto era o da rapariga da fotografia. E o
facto de ela se ter postado à sua frente, barrando-lhe o caminho, só podia
significar que queria alguma coisa dele. Quando ela lhe virou as costas,
percebeu que queria que subisse atrás dela. Manuel achou que devia virar-se na
direcção oposta, para a saída do farol, e correr dali para fora o mais depressa
possível. E foi isso que começou a fazer, apesar do medo de que o espectro
reagisse com fúria. Mas ela apenas pediu, em tom suplicante:
– Não
vás, por favor.
Talvez
por causa daquele silêncio sobrenatural, a voz ressoava fortemente, como se o
farol fosse uma enorme estrutura oca.
Socorrendo-se
de toda a sua coragem, Manuel lá conseguiu articular:
– O
que queres de mim?
– Ajuda-me.
Eu ajudei-te.
Só
então Manuel percebeu que ela falava sem sequer mexer os lábios. Como se
conseguisse fazer penetrar no cérebro de Manuel os pensamentos que se formavam
no seu.
– Tu
ajudaste-me?
Em jeito de resposta, o fantasma
dirigiu o olhar para o penso no tornozelo.
– Então,
foste tu que me tiraste da gruta?
Mas
em vez de responder, a jovem limitou-se a virar as costas e a subir as escadas,
como quem dissesse: «Se aceitas ajudar-me, segue-me».
Manuel
não saberia explicar porque se decidiu a segui-la. Porque se sentia em dívida
por ela o ter ajudado? Porque tinha medo do que um fantasma poderia fazer na
sua ira, caso não respondesse ao apelo? Porque sentia que se alguém nos pede
ajuda, devemos ajudar sempre que pudermos? Por todas essas coisas juntas?
A
rapariga passou pelos aposentos do faroleiro e continuou a subir, com Manuel a
uma distância que ele esperava que fosse segura. Já na câmara da lanterna, para
confusão de Manuel, desapareceu. Manuel olhou em volta, tentando perceber onde
ela se tinha metido.
– Onde
estás? – perguntou. Mas não houve resposta.
«Como
é que ela quer que eu a ajude se desapareceu sem sequer me dizer o que queria
de mim?» Começou a pensar em porque andaria a rapariga a vaguear pelo farol.
Talvez se dedicasse a zelar pelo faroleiro, protegendo-o de tempestades e
outros perigos. Mas o que andaria o seu espírito a fazer na gruta? E o que
estava o seu pendente a fazer dentro daquele lago?
Manuel
apercebeu-se de que tinha escurecido. Talvez não devesse espantar-se. Afinal,
deveria ter passado bastante tempo na gruta e não sabia quanto tempo decorrera
desde que adormecera naquele nicho da rocha até acordar no farol. Mas embora
não pudesse jurar, pareceu-lhe que fora uma coisa repentina, como se num segundo
fosse dia ainda claro e no seguinte, a noite tivesse já caído.
Então,
do lado de lá, viu uma rapariga com as costas arqueadas para trás sobre o
parapeito do varandim, as mãos cerradas em volta do ferro para não cair,
enquanto um homem, debruçado sobre ela em atitude ameaçadora, parecia
empurrá-la com as mãos que tinha em torno do seu pescoço...
Instintivamente,
Manuel tentou abrir a porta de vidro que permitia entrar na câmara da lanterna
que, por sua vez, dava acesso ao varandim, mas estava fechada e não conseguiu
abri-la. Começou então a bater violentamente com os punhos no vidro resistente,
enquanto gritava coisas como «pare com isso!» e «largue-a!» para que o homem o
visse ou ouvisse e caísse em si. Embora a distância fosse curta, na escuridão
que tinha caído, Manuel não conseguia distinguir claramente as figuras. Então,
de repente, a porta abriu-se e Manuel entrou de rompante, a tempo de ouvir o grito
prolongado da rapariga ao galgar o parapeito, mas não de lhe deitar a mão para
a segurar...
Manuel
debruçou-se, ele próprio, sobre o varandim, e por um momento, tão fugaz como um
floco de neve que se derrete ainda antes de tocar no chão, teve a sensação de
ver na água um pequeno semi-rígido, igual àquele que tinha levado o grupo até à
gruta. Lá dentro, estava um corpo de mulher, com um vestido comprido e um colar
com um pendente azul e translúcido em forma de cavalo-marinho... E o homem
sentado ao comando, com a cabeça apoiada nas mãos num gesto de profundo
desespero, era o guia. Mas ao mesmo tempo, um ruído breve, um estalo, mas de
uma intensidade tremenda, fez-se ouvir, e uma luz tão potente que cegou Manuel
por alguns segundos, inundou tudo. Manuel estremeceu, de olhos esbugalhados, ao
ver a lanterna do farol acesa, mas o susto não demorou mais que uns instantes,
pois lembrou-se de que os faróis tinham sido, na sua maioria, automatizados.
O
homem já não estava no varandim. Desaparecera tão de repente como se nunca lá
tivesse estado. Estava sim, ao cimo das escadas, Ricardo. E com ele estava um
homem dos seus cinquenta e poucos anos que Manuel calculou ser o médico. Antes
de falar com os homens, debruçou-se ainda mais uma vez sobre o parapeito. Não,
não podia ter visto nada. A distância do varandim até às águas lá em baixo, de
onde chegava o vigoroso marulhar das ondas a bater com força no promontório
onde estava o farol, era tão grande que ainda que lá estivesse realmente um
pequeno barco, o máximo que poderia ver seria uma qualquer forma indistinta.
Vencido
todo o seu cepticismo, Manuel tinha agora a certeza. Aquilo que tinha acabado
de ver não tinha acabado de acontecer. Era como se uma força qualquer tivesse
querido que ele assistisse em diferido a um evento que não vira em directo.
Certamente, para que pudesse emendar alguma coisa. Mas o quê? A rapariga que
tinha visto era a filha de Ricardo; disso não tinha dúvidas. Não conseguira ver
o rosto do homem que a empurrara para a morte, mas lá em baixo, por uma fracção
de segundos, vira claramente o guia das grutas que, pela fotografia na sala das
máquinas, tinha com ela uma relação íntima. Teria ele assassinado a rapariga,
atirando-a do alto do farol? Talvez o seu espírito vagueasse pela gruta para
atormentar o seu assassino e pelo farol para tentar dizer ao pai o que
realmente lhe tinha acontecido.
Quando
se aproximou dos dois homens e deixou que Ricardo lhe apresentasse o Dr. Artur,
estava decidido. Ia tentar saber, junto do faroleiro, se haveria alguma hipótese
de a filha não ter morrido no naufrágio. Provavelmente, não ia querer falar do
assunto, mas se tentasse tirar nabos da púcara enquanto o médico o examinasse,
talvez o orgulho que Ricardo tinha na hospitalidade que estendia aos seus
náufragos o impedisse de correr com ele por desrespeito para com a sua dor de
pai.
Enquanto
desciam a escada, Manuel ouviu Ricardo desculpar-se pela demora e justificar-se
com a necessidade de procurar o Dr. Artur que, afinal, não estava no café. Mas
Manuel já não estava aborrecido com a demora. Pensava até que talvez ela não
tivesse sido nenhum acaso.
Tinha
pretendido abordar o assunto com delicadeza, mas sabia que tinha pouco tempo e
além disso, se começasse com rodeios, nunca mais chegaria onde queria chegar.
Por isso, enquanto o Dr. Artur lhe examinava os olhos, o auscultava, lhe media
a tensão e o ritmo cardíaco e, por fim, lhe mudava o penso do tornozelo, disse:
– Sr.
Ricardo, hoje vi um fantasma...
O
médico, que nesse momento lhe tomava o pulso olhando para o relógio, levantou
os olhos, surpreendido. Não disse nada, mas Manuel teve a impressão de que se
perdera na contagem e teve de começar de novo.
– Senti-o
na gruta e enquanto esteve fora, vi-o, aqui no farol.
Achou
que talvez fosse menos brutal descrever o que tinha visto e deixar Ricardo
tirar as suas próprias conclusões do que dizer peremptoriamente «era o fantasma
da sua filha». Assim, descreveu fisicamente a aparição e para que não restassem
dúvidas, disse ter a certeza de que era a rapariga da fotografia que estava na
casa das máquinas. Depois, esperou a reacção de Ricardo. O faroleiro parecia
pouco à vontade quando respondeu:
– Sr.
Manuel, sei que as pessoas cá da terra acreditam em certas coisas e às vezes
até vêem coisas que lá não estão, mas muito me espanta que um rapaz novo, da
cidade, se deixe levar assim pela imaginação.
Mas
o médico ripostou:
– Homem,
como pode ficar tão indiferente?! Até eu vejo que é a Aidinha...
Porém,
Manuel não estranhou que Ricardo não se tivesse rendido às evidências, que não
tivesse exclamado, emocionado, «é a minha filha!» No fundo, talvez até já
soubesse. E talvez até o consolasse, pensar que a filha lhe queria tanto que,
mesmo depois de morta, continuava por ali, a zelar por ele. E talvez não
estivesse disposto a partilhar isso com um intrometido qualquer. Mas a rapariga
tinha-lhe pedido ajuda e embora lhe custasse, teria de lhe dizer que a
verdadeira razão para a sua permanência neste mundo era outra.
– Acho
que ela não morreu no naufrágio – disse. – Acho que foi assassinada pelo rapaz
que está com ela na fotografia e que é guia nas grutas.
E
depois de ter descrito a forma como o fantasma o conduzira à câmara da
lanterna, a cena a que assistira lá em cima e a imagem do barco com um corpo
dentro, comandado pelo guia das grutas, viu o rosto branco de Ricardo enquanto
o médico falava:
– Aquele
mariolas nunca me enganou. E lembro-me muito bem das coisas que ficaram mal
explicadas na altura. Como o facto de a rapariga ter viajado assim, sem mais
nem menos, sem mais consideração pelo pai do que um bilhete a dizer que não
sabia quando voltava.
– Mas
a minha filha vinha de viagem no navio que se afundou...
Mas
Ricardo falou sem convicção, como se aquilo fosse a história que lhe tinham
contado e da qual já não estava tão certo. E o Dr. Artur acrescentou:
– E
agora parece-me realmente conveniente demais que ela tenha morrido num acidente
em que a maior parte dos corpos ficou irreconhecível por causa da violência com
que o mar os atirou contra as rochas.
–
Talvez ele a tenha matado antes do naufrágio e quando essa tragédia se deu,
aproveitou o facto para explicar o desaparecimento – alvitrou Manuel.
Manuel
pediu ao faroleiro que chamasse o rapaz – Bruno, assim os dois homens disseram
ser o seu nome – ou que o deixasse chamá-lo ao farol. Sabia que, provavelmente,
não ia levar a lado nenhum. Não tinha provas contra ele e ainda que aquilo que
tinha para lhe dizer pudesse assustá-lo e levá-lo a confessar num momento de
pânico, e ainda que, como se vê nos filmes, conseguisse gravar essa confissão,
duvidava que viesse a ser válida em algum tribunal. Mas Manuel sabia – embora
não soubesse explicar porquê – que não era isso que a rapariga lhe pedia. Não
era tanto a punição, mas sim a exposição do assassino que ela desejava. Talvez
para que, pelo menos, o pai ficasse a conhecer a verdade.
Ricardo
também argumentou que era inútil, que assassino nenhum ia confessar de livre
vontade uma coisa de que não havia provas. Mas Manuel insistiu em que, apesar
disso, ele lhe fizesse a vontade, e o Dr. Artur achou que seria bom que Bruno
soubesse que o pai de Aidinha sabia o que ele tinha feito, ainda que nada
pudesse fazer contra ele, para que não só a consciência, mas também a vergonha
o consumisse.
– Está
bem – concordou Ricardo, por fim. Pegou no telefone, que continuava avariado, e
depois disse:
– Eu
vou buscá-lo.
Saiu
com o Dr. Artur, que aproveitou a deixa para voltar para casa. E Manuel
sentou-se à espera, no quarto do faroleiro. Tinham passado talvez uns dez
minutos quando ouviu barulho na casa das máquinas. Desceu, para ver se era
Ricardo que chegava com Bruno. Mas o que ele viu ao estacar à porta, a passagem
barrada por um vidro que poderia jurar que não estava lá antes, foi Ricardo de
pé, curvado e com os punhos apoiados na mesa, que apresentava agora uma garrafa
de whisky vazia e outra já com menos
de metade do seu conteúdo, a ouvir em atitude de desalento os gritos zangados
da filha. A rapariga estava morta, por isso, aquilo era o seu espírito. Mas
estaria Ricardo mesmo ali ou seria também um eco de algo que já tinha
acontecido? Então, reparou, com espanto, que conseguia ouvir claramente,
através do vidro, aquilo que a rapariga dizia:
– Acabo
de chegar e é com isto que sou
recebida! Como pode ter deixado isto acontecer?! Sabe quantas pessoas vinham
naquele barco?! Faz ideia de quantas morreram?! Mais de quatrocentas! E tudo
porque não é capaz de passar uma noite longe da maldita bebida!
Manuel
estremeceu ao ouvir o tom autoritário da resposta:
– Cala-te,
rapariga! Achas que já não me sinto mal que chegue?
E
em seguida, como que falando mais para si do que para ela:
– A
culpa não foi minha... A luz não acendeu...
Mas
a rapariga continuava zangada:
– O
sistema automático pode ter falhado, mas se não estivesse bêbado, podia ter
accionado os sistemas manuais!
No
rosto da rapariga estava estampada uma imensa desilusão. Houve uma pausa na
discussão e depois, o faroleiro disse:
– Filha,
ninguém precisa de saber... O sistema automático falhou. Ninguém precisa de
saber que a avaria não apanhou também os sistemas manuais.
Perante
o rosto ainda mais chocado da rapariga, Ricardo argumentou:
–
Juro-te que aprendi a minha lição. Nunca mais bebo em serviço...
– Não!
– Cortou ela. – Ao menos, assuma a responsabilidade. As vítimas merecem a
verdade. Assuma a responsabilidade e estarei ao seu lado.
E
Manuel julgou perceber uma nota de desprezo na voz dela quando acrescentou:
– Mas
garanto-lhe que se tentar esconder, eu mesma faço a denúncia.
Em
seguida, virou costas, passou através do vidro e Manuel sentiu um misto de frio
e humidade, como se uma onda o tivesse encharcado, quando ela passou através do
seu próprio corpo para depois subir a escada. Manuel olhou ainda uma vez mais
para Ricardo, na casa das máquinas, antes de seguir a rapariga até ao varandim.
Mas embora Manuel não o tivesse visto passar, Ricardo estava agora também no
varandim. Era ele que tinha as mãos em volta do pescoço da rapariga que se
agarrava ao parapeito para não cair. E também agora conseguia ouvir claramente
as palavras através da porta de vidro que, mais uma vez, encontrou fechada e
não conseguiu abrir.
– Como
te atreves?! – Rosnou o faroleiro, a fúria aumentada pela embriaguez ainda não
curada. E os abanões iam pontuando as suas frases cada vez com mais violência.
– Como ousas ameaçar-me? Tinhas coragem de acusar o teu próprio pai!
E
embora Ricardo estivesse de costas, Manuel pôde sentir que os olhos lhe
faiscavam de ódio quando vociferou «não vales nada!» e um último safanão lançou
a rapariga às águas ruidosas lá em baixo.
Depois
de todas as coisas que tinha visto naquele dia, Manuel já não se espantou
quando, mais uma vez, a porta que lhe resistira se abriu, nem quando viu
Ricardo esfumar-se, evolar-se, e o varandim mergulhar novamente na solidão
daquele promontório metido pelo mar dentro. Mas sobressaltou-se quando uma mão
forte, rude, lhe empurrou a nuca para a frente, obrigando-o a debruçar-se
perigosamente sobre o parapeito, enquanto outra lhe torcia um braço atrás das
costas, para que não pudesse defender-se. Não teve a menor dúvida de que não
era nenhum fantasma, nenhum eco do passado, mas sim o Ricardo real que lhe
gritava:
– Porque
veio intrometer-se naquilo que não lhe diz respeito? Se lhe fiz mal naquela
noite, foi porque ela me fez perder a cabeça! Todos os dias pago em vergonha e
remorsos o meu pecado. E nunca mais toquei em álcool, cumpri a promessa que lhe
fiz!
Manuel
experimentou o mesmo terror que a rapariga devia ter sentido à aproximação da
morte, mas de repente, sentiu-se puxado para trás, libertou-se das mãos de
Ricardo e viu que a força que o puxara não era senão Bruno, que agora agarrava
Ricardo pelo colarinho e o acusava:
– Eu sabia! Eu sabia que não era para a Islândia que ela tinha ido! Sabia muito
bem onde ela estava. Só quis sair daqui por uns dias porque já não suportava as
suas bebedeiras! Só queria alguns dias de paz... E quando encontrei o corpo na
manhã a seguir ao naufrágio, não percebi porque me teria mentido; porque não me
tinha dito, quando à noite falava comigo ao telefone, se era na Islândia que
estava. Então, suspeitei. Mas não quis acreditar nas minhas próprias suspeitas!
Manuel
viu Ricardo libertar-se por momentos das mãos de Bruno para em seguida correr e
investir contra ele. E conforme Bruno se desviou do parapeito a que estava
encostado para evitar o choque, o excesso de balanço projectou-o no vazio e um
grito lancinante encheu a noite.
Manuel
sentiu-se mal por ter desconfiado do rapaz, mas acima de tudo, sentia-se grato
por ele ter aparecido tão providencialmente. Bruno também parecia espantado,
mas ao mesmo tempo aliviado.
–
Não posso acreditar! – disse. – O senhor é o meu turista perdido! Julgámos que
não se safava. Bombeiros, Polícia Marítima, Protecção Civil, todos disseram
aquilo que eu próprio já sabia. Que era impossível entrar na gruta para o
salvar antes de a maré voltar a vazar. A sua mulher está desesperada.
Em circunstâncias normais, o primeiro
impulso de Manuel teria sido ir a correr sossegar Paula, mas estava demasiado
confuso e só lhe ocorreu perguntar:
–
Foi o faroleiro que lhe pediu para vir?
– Não.
Foi outra... pessoa.
– Mas
como é que soube?
– Quando
desconfiei pela primeira vez da verdade, fui até ao lago da gruta e fiz um
pedido. Pedi para um dia saber o que tinha realmente acontecido. Hoje, tive um
dia cheio de coisas estranhas que acabaram por me conduzir até aqui. E tudo
começou quando, depois de o senhor desaparecer, encontrei no meu barco aquilo
que tinha atirado para o lago.
E
enquanto falava, tirou qualquer coisa do bolso, abriu a mão e mostrou a Manuel
um pendente azul translúcido, em forma de cavalo-marinho, com um pequeno
encaixe redondo e vazio no lugar do olho.