segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM LIBERAL Capítulo XII (PROVISÓRIO)

Foram mais de três anos que eu, Diogo, Tiago, Guilherme e muitos outros – continentais e ilhéus – passámos em campanha nas ilhas, e durante esse tempo, foram raros os dias sem que ouvíssemos o trovejar das armas dos nossos e do inimigo. Passávamos meses a dormir em chão de terra, dentro dos abrigos ou, às vezes, mesmo ao relento. Quando as tão esperadas licenças chegavam, partíamos para a pensão IlhaBela, mas o desespero de não saber o que se estava a passar com os nossos homens era ainda maior do que o de arriscar a vida, pelo que acabávamos por ansiar pelo fim dos dois ou três dias de descanso para nos juntarmos novamente à companhia.
            Não foi nunca minha intenção, ao tomar em mãos a tarefa de escrever este livro, fazer aqui a descrição pormenorizada de todas as batalhas em que participámos, não só porque seria monótono para o leitor, mas também muito doloroso para mim. Mas não poderia terminar o relato das nossas aventuras na Ilha Terceira sem, pelo menos, referir aquele glorioso combate que todos os liberais guardam na memória, travado sob o sol quente de Agosto.
            O Conde de Vila Flor, sentindo necessidade de concentrar forças, deu ordens para que várias unidades se juntassem à sua, e a de Rodrigo era uma delas. Foi sob a chefia do próprio conde que pudemos, finalmente, fazer compreender aos absolutistas que continuar a tentar a tomada da ilha seria um desperdício de tempo e de vidas. Mas não quero com isto dizer que a vitória tenha sido fácil. Apesar de tudo, não seria certo diminuir o valor dos militares que lutaram por D. Miguel. Esse dia custou-nos também muitos homens, entre os quais Tiago, e quase perdemos Rodrigo. Os realistas, contudo, nunca desistiram completamente de estender o seu domínio também ao arquipélago. E embora após essa batalha, tudo se tenha passado de forma mais simples para nós, continuámos a ter de lutar para defender aquele território.
            Durante o tempo que passámos nos Açores, a comunicação com Luz tornou-se quase impossível. Depois da carta que Diogo e eu enviámos, a informar a minha irmã e a mãe do meu amigo que havíamos sido chamados a combater, foram raras as oportunidades que tivemos para enviar notícias, e mais raras ainda para as receber. Assim, três anos se passaram em que nós enviámos apenas três cartas e não recebemos nenhuma. Calculei que Luz estivesse já casada e perguntava-me se estaria feliz ao lado do marido que o meu pai escolhera para ela. Sei que Diogo também pensava em Maria da Luz, mas as suas palavras nunca traíam os seus pensamentos e raramente falávamos do assunto.
            Por volta do fim do ano de 1831, começaram a ouvir-se, entre os soldados, boatos acerca da possibilidade de D. Pedro se encontrar no estrangeiro a organizar uma frota com a qual derrotaria finalmente o irmão, D. Miguel. De um lado, ouvíamos dizer que estava em França; de outro, que viria de Inglaterra, mas todos eram unânimes em afirmar que seria da Terceira que finalmente partiria em direcção ao continente, e que muitos homens que como eu e Diogo se encontravam forçados ao exílio, regressariam, por fim, à sua terra natal, como heróis ao lado de Sua Majestade.
            Para alegria de todos nós, esses boatos confirmaram-se, e em Fevereiro do ano seguinte, D. Pedro, secundado por uma imponente esquadra, desembarcava na ilha. Por momentos, ao ver as embarcações aproximarem-se, tomámo-los por invasores absolutistas e preparámo-nos para abrir fogo. No entanto, sabendo já que D. Pedro estava para chegar a qualquer momento, não nos atrevemos a disparar sem ter a certeza. À medida que os navios se aproximavam, pudemos, de facto, concluir que não eram embarcações inimigas e, para o confirmar, a figura serena mas imponente de D. Pedro IV, em pé na proa de um dos navios, lançava sobre a ilha, que se aproximava cada vez mais, um olhar caloroso; o olhar de um filho que esteve muitos anos afastado da sua pátria.
 
– É Sua Majestade! – exclamou um soldado, que imediatamente se deixou cair de joelhos.
 
            Por respeito, todos fizemos o mesmo. Com a chegada de D. Pedro, senti renascer em mim o mesmo orgulho com que, ainda antes de sair do Roseiral, gritava os valores do Liberalismo. E era uma sensação tão forte que, embora agradável, parecia querer fazer-me explodir o peito.
            Durante os meses que D. Pedro passou no arquipélago, a organizar as tropas e a preparar tudo para o desembarque no continente, nós, soldados, vivemos momentos de grande ansiedade. Sabíamos que Sua Majestade pretendia acrescentar à sua esquadra novos soldados e que, não tendo tido a oportunidade de presenciar o desempenho de cada um na resistência contra o poder miguelista, teria de confiar nas indicações dos oficiais. Diogo e eu passámos muitas horas a pensar se Rodrigo nos consideraria dignos da esquadra de D. Pedro. O que mais receávamos, contudo, era que só um de nós fosse escolhido e assim acabássemos por perder o contacto. No entanto, enquanto eu tinha a certeza de que se só um de nós tivesse o privilégio de acompanhar o rei, seria Diogo, o meu amigo jurava que seria eu. Porém, quando alguns companheiros de armas nos manifestaram a opinião de que se Rodrigo agisse com bom senso, tanto eu como Diogo seríamos dos primeiros a estar a bordo, nós começámos a ter alguma esperança.
            Se Rodrigo agiu com bom senso ou não, não sei dizer. Pelo menos, no que me diz respeito, pois de Diogo, posso dizer, sem medo de mentir, que era um dos melhores militares que alguma vez vi em acção. Mas a verdade é que faríamos ambos parte da esquadra de D. Pedro.
            Quando partimos, estávamos já no princípio do Verão e o tempo apresentava-se favorável à navegação. A nossa vida a bordo da fragata Lua Nova não era completamente diferente daquela que havíamos experimentado nos campos de batalha. Todos os dias, recebíamos instruções acerca do desembarque, sobre o que esperar dos absolutistas e sobre como reagir. A grande diferença era o facto de ali não precisarmos de descarregar as nossas armas, mas o receio de um ataque inimigo à esquadra fazia com que o clima fosse ainda de guerra.
            A rotina era rígida e a desobediência era severamente castigada. No entanto, posso afirmar com orgulho que não era o receio de punições, mas sim a vontade de ser fiel ao rei, que fazia com que tudo se passasse sem grandes complicações.
            As refeições, rigorosamente racionadas, eram tomadas em conjunto e só após as ordens dos oficiais.
            Entre os soldados, as relações haviam já passado a fronteira do cordial para se transformarem em fraternais. Se já antes estávamos unidos pela defesa da Carta, agora, uma fé quase inabalável na vitória aproximava-nos ainda mais.
            Foi nessa viagem que um dos soldados me apelidou de “nosso rei”, epíteto que permaneceria comigo até ao fim daqueles anos de luta. Um dia, esse soldado, ao perguntar o meu nome e ao saber que era Pedro, exclamou: “Pedro! Como o nosso rei!” Não pude deixar de sorrir interiormente ao perceber a ironia do facto, pois se o meu pai tivesse previsto o futuro que D. Pedro iria dar a Portugal, não teria, certamente, dado o seu nome ao filho. No entanto, achei prudente não mencionar o facto perante os meus companheiros liberais. Mas seria essa a alcunha que passaria a acompanhar-me a partir desse dia.
            O espírito de cumplicidade presente durante a viagem estendia-se mesmo de barco para barco. Se uma embarcação passava por outra, não era raro os soldados gritarem e acenarem, como forma de cumprimento.
            O tema que mais frequentemente dominava as nossas conversas era o desembarque e a forma como este se processaria. Uns, eram de opinião de que os realistas não nos deixariam desembarcar, mas que D. Pedro não permitiria que a esquadra voltasse para trás, pelo que teríamos de travar combate com as tropas de D. Miguel. Mas a opinião que se generalizara entre os soldados – talvez por ingenuidade, talvez por um orgulho exacerbado na causa – era de que não só D. Miguel acabaria por ceder o trono ao legítimo herdeiro de D. João VI, como os populares nos receberiam como heróis, prontificando-se a dar também a sua vida para nos defender de quaisquer ataques realistas.
            A realidade, infelizmente, seria bem diferente. Em terra, aguardavam-nos as tropas de D. Miguel. Das tentativas que fizemos para resolver a questão por meio de palavras, nenhuma foi bem sucedida. A ideia de nos rendermos parecia-nos, no mínimo, humilhante. E apesar de todas as intimidações do exército de D. Miguel, acabámos por desembarcar no próprio dia em que chegámos. Tínhamos recebido ordens para tudo esperarmos dos realistas e para tudo estarmos preparados. Possivelmente, muitos homens iriam tombar, e cada um de nós pensava se seria ele ou alguém muito próximo. Mas a consciência de que se as tropas absolutistas – em maior número e em posição mais vantajosa – fossem protagonistas de um massacre contra as tropas e os civis liberais, os homens da esquadra de D. Pedro, mais do que heróis, tornar-se-iam mártires, e que aqueles que sobrevivessem não permitiriam que a sua morte fosse em vão, dava-nos a coragem quase suicida de pisar terra firme perante a ameaça realista.
            No entanto, contra todas as expectativas, o desembarque processou-se sem troca de tiros. As facções observavam-se mutuamente com extrema atenção, parecendo procurar apenas um pretexto para abrir fogo sobre o inimigo. Mas a surpresa maior não foi quando percebemos que eles não iam atacar. Foi quando ouvimos um oficial miguelista ordenar a retirada.
 
– Olha! – exclamou Diogo. – Estão a retirar!
 
            Recordo-me de que entre os liberais se fez um silêncio quase absoluto. Diogo, eu e todo o resto do exército liberal observávamos, estáticos, a retirada das tropas inimigas. Era como se aquilo que os fazia retirar fosse uma espécie de feitiço e nós receássemos quebrar o encanto. Quando pudemos, finalmente, acreditar que não se tratava de uma armadilha, e que as tropas inimigas haviam, de facto, desistido de tentar impedir a nossa entrada no território continental, a alegria entre os soldados tomou a forma de efusivos abraços. E entre os oficiais, de apertos de mão e congratulações mútuas.
            Quando, por fim, os oficiais conseguiram pôr ordem nas tropas, recebemos novas instruções. Uma vez que a noite estava já a aproximar-se, pernoitaríamos na praia, e só no dia seguinte marcharíamos em direcção à cidade do Porto. Esgotados como estávamos pela viagem e por todas as emoções, a areia, longe de nos parecer desconfortável, pareceu-nos o melhor colchão em que algum dia havíamos repousado. Agarrados às armas como se elas fossem a própria vida, adormecemos, num sono leve de soldado, um sono de quem está pronto a disparar ao primeiro som ou movimento suspeito.
            Quando acordei, era ainda de madrugada. No céu, começavam a despontar os primeiros indícios de claridade, mas ainda eram visíveis algumas estrelas. Visto os outros ainda dormirem – como aliás, o resto da cidade, – aproveitei o silêncio, fechei os olhos e pus-me a escutar o mar. Um som despertou-me a atenção. Parecia alguém a caminhar sobre a areia. Pensei que fosse alguma gaivota madrugadora, mas ao voltar-me, vi um vulto de mulher que, segurando o vestido para não o arrastar pela praia, se movia a passos rápidos na minha direcção. Ainda estava escuro e o vulto trazia a cabeça coberta por um capuz, pelo que não lhe podia ver o rosto. Quem seria aquela rapariga? Talvez a mulher de algum soldado, que não vendo o marido há meses e tendo ouvido dizer que ali se encontrava, o viera procurar. Mas o vulto vinha na minha direcção, a passos cada vez mais rápidos, quase correndo, até que, ao chegar junto de mim, descobriu a cabeça e fitou-me com uns olhos mais azuis do que o céu por cima de nós ou o mar que tinha à minha frente. Tinha os lábios entreabertos num leve sorriso, o peito arquejando da corrida e certamente da emoção. Era uma mulher mais madura e circunspecta do que a menina que eu tinha deixado para trás, mas os seus olhos conservavam ainda o brilho da inocência.
 
– Luz! – exclamei, quase num sussurro, após segundos de grande comoção.
– Pedro... – murmurou ela, com voz rouca, quase como se estivesse a ponto de chorar.
 
            E caímos nos braços um do outro, murmurando incessantemente os nossos nomes, como se não pudéssemos acreditar que estávamos, de facto, juntos.
 
– Luz...
– Pedro... Pedro...
– Luz... És mesmo tu! – exclamei, soltando-me, por fim, dos seus braços. – Estás tão crescida... Estás uma mulher, mas és tu, tu!
– Pedro, julguei que nunca mais te via...
 
            Só então me dei conta de como era estranho o facto de Maria da Luz se encontrar ali, no Porto, entre os soldados liberais. Tomado de um súbito pânico, indaguei:
 
– Luz, o que fazes aqui? Aconteceu alguma coisa?
 
            Maria da Luz baixou tristemente os olhos.
 
– Tivemos de vender o solar. Já não havia dinheiro para nada... O pai diz que o solar era muito grande só para nós e que quer comprar um sítio mais modesto, mas eu sei que ele jamais venderia a casa da nossa família se não precisasse do dinheiro. De qualquer forma, por enquanto, estamos hospedados em casa da tia Francisca.
 
            Senti-me revoltado. Embora o Roseiral já não fosse, há muito, o meu lar, ainda era uma casa que eu amava. E sabia que se o meu pai tivesse engolido o orgulho e deitado mãos à obra, com trabalho e dedicação, este poderia ter sido preservado. Mas o que mais me exasperava era o facto de a minha irmã ter sido apanhada no meio da sua teimosia.
 
– Ontem, – prosseguiu Luz – estávamos eu e a tia Francisca a bordar na sala quando o pai entrou, com uma expressão terrivelmente sombria. Tinha recebido a notícia de que um grupo de liberais vindos das ilhas havia desembarcado na praia. A primeira ideia que me ocorreu foi que talvez estivesses com eles... À noite, depois de a tia Francisca fechar a porta, esperei que ela adormecesse, entrei no quarto e consegui tirar-lhe a chave. Hoje, saí de madrugada para não ser vista e... aqui estou!
 
            Voltámos a fitar-nos, felizes apesar de todas as adversidades, por estarmos de novo juntos.
 
– Anda – sugeri. – Vamos sentar-nos mais perto do mar.
– E Diogo? – perguntou ela, quando nos sentámos.
– Ainda dorme. Vou chamá-lo.
 
            E fiz menção de me levantar, mas ela segurou-me o braço e fez-me sentar de novo.
 
– Não, ainda não. Primeiro, conta-me o que têm feito.
 
            No seu rosto, havia uma expressão que não compreendi. Parecia querer evitar Diogo, e embora não compreendesse porquê, a súplica no seu olhar era tal que me sentei de novo.
 
– Defendemos as ilhas do poder miguelista... – disse, respondendo à sua pergunta. – Soube, pela primeira vez, o que é ver morrer um amigo... Um após outro...
– Receei tanto por vós... E ainda receio.
– Não há razão para tal. Estou aqui, são e salvo. E Diogo também.
– Sim, mas por quanto tempo? Não te quero aborrecer, mas ninguém acredita na possibilidade de vocês vencerem e se perderem, só dois caminhos vos esperam. A prisão ou a morte.
– Eu acredito na vitória – repliquei. – Todos nós acreditamos. Olha bem para estes homens, Maria da Luz – disse, designando com um gesto do braço os soldados que dormiam sobre a areia. – Achas que há um só que não acredite?
 
            Houve um momento de silêncio entre nós e ambos fitámos o horizonte. O céu clareava agora, as formas eram já bem nítidas e onde o céu e o mar se uniam, umas pinceladas laranja começavam a dar cor ao novo dia.
 
– E o pai? – indaguei, sem tirar os olhos do horizonte.
– Acho que todo o ódio que sente pelos liberais vai acabar por destruí-lo.
– Ainda me odeia?
– É tão difícil saber ao certo o que se passa dentro do coração dele... Desde que partiste que nunca mais mencionou o teu nome, nem permite que ninguém o mencione na sua presença. Mas creio que no fundo, o seu maior desejo é perdoar-te.
 
            Curiosamente, o facto de o meu pai desejar “perdoar” uma atitude em que eu só via nobreza não me irritou da mesma forma que me teria irritado há quatro anos.
 
– Apesar de tudo, – disse – gostaria que não me odiasse.
– Para te dizer a verdade, acho que ele se odeia a si próprio por nunca ter conseguido verdadeiramente deixar de te amar.
– Cecília está convosco? – indaguei, pois com a venda do Roseira, era bem provável que a mãe do meu amigo já não estivesse ao serviço da minha família.
– Cecília foi viver com a mãe, há dois meses. É claro que a tia Francisca disse que ela podia ficar até que o pai comprar uma casa para nós morarmos, mas de qualquer forma, a mãe já estava bastante velha e doente e ela resolveu ir passar uns tempos com ela. Diz que voltará quando for de novo útil. Sabes como consegue ser obstinada.
 
            Fez-se mais um silêncio, até que Luz se levantou e declarou:
 
– É melhor eu regressar, antes que dêem pela minha falta.
– Espera, não te vais embora sem ver Diogo, não é verdade?
– Claro... – respondeu ela, com voz sumida.
 
            Por entre pernas, braços e armas, cheguei junto de Diogo e toquei-lhe ao de leve num ombro. Com reflexos tão rápidos como os de qualquer felino, Diogo agarrou a sua arma e encostou os canos à minha testa. Porém, ao ver que era eu, poisou a arma e suspirou aliviado.
 
– Que susto me pregaste! O que se passa? Não ouvi tocar a despertar...
– Está aqui uma pessoa que vais gostar de ver.
 
            Diogo levantou-se e, com a mesma surpresa que de início me envolvera, fitou Maria da Luz.
– Maria da Luz... Como está bonita!...
– Olá, Diogo. És muito gentil – declarou ela, cortesmente. – Folgo em ver que te encontras bem.
– Devo felicitá-la pelos seus esponsais – disse Diogo, não sem uma certa ironia na voz.
 
            Com a excitação de reencontrar a minha irmã, nem me lembrara de que Luz devia estar casada há já mais de um ano.
 
– Ainda não celebrámos o casamento – respondeu Luz. – O pai adoeceu quando vendemos o solar e só agora começou a recuperar. Só nos casaremos quando se encontrar bem.
– Sempre pensei que acabarias por mudar de ideias – comentei, algo desiludido. – Como podes entregar a tua vida a um homem que não amas? Um absolutista!
– Pedro! Exijo que respeites o homem que vai ser meu marido! Há quatro anos que não nos vemos, que sabes tu dos meus sentimentos?
– Estás a sacrificar-te pelo pai. Não é justo.
– Basta. A decisão foi minha. O pai jamais me forçaria. Escuta, Pedro... Não te estou a pedir que concordes, apenas que aceites. Vocês são a minha família... E é bem possível que não nos vejamos durante outro longo período de tempo, ou até que não nos tornemos a ver. Não nos vamos separar zangados, por favor.
– Tens razão... – disse, ainda contrariado. – Desculpa.
 
            Maria da Luz abraçou-me e pude notar que fechou os olhos e entreabriu os lábios quando Diogo lhe beijou a mão. Em seguida, pôs-se a caminho. Ficámos a olhá-la até desaparecer, mas nem uma única vez ela se voltou para dizer adeus. Embora não lhe pudesse ver o rosto, senti que chorava.
            Quando ficámos sós, Diogo sentou-se na areia e pôs-se a olhar o mar, esquecido da minha presença.
 
– Pensas em Luz? – perguntei, sentando-me também.
– Luz? Porque haveria de pensar em Maria da Luz?
– Não precisas de mentir. Sei o que sentes pela minha irmã.
– Tudo o que sinto pela tua irmã é um enorme respeito. Se alguma vez te dei a entender que se tratava de algo mais, receio ter-te induzido em erro.
 
            Sabia que era mais a si próprio do que a mim que Diogo pretendia iludir com aquelas palavras, mas se há uns anos eu me teria divertido a provocá-lo, tal coisa parecia-me agora uma enorme crueldade, pelo que não insisti. De qualquer forma, antes que tivesse tido oportunidade para falar, ouviu-se o toque a despertar e, momentos depois, marchávamos em direcção à cidade. Uma sensação de vitória apoderou-se de mim à medida que marchávamos, mas não duraria muito tempo. Assim que os nossos homens ocuparam o Porto, tropas absolutistas começaram a surgir de todos os lados. Para onde quer que nos virássemos, elas lá estavam.
 
– Que diabo?... – exclamei.
– Meu capitão! Meu capitão! – berrava uma sentinela, que se aproximava a passo de corrida. – Estamos cercados!

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