terça-feira, 19 de outubro de 2010

MEMÓRIAS DE UM LIBERAL Capítulo V (PROVISÓRIO)

O padre Ricardo tinha razão. À medida que fomos crescendo, cada vez mais tarefas foram recaindo sobre Diogo e tanto eu como Maria da Luz nos fomos gradualmente afastando. Sempre ocupado, Diogo já não nos podia acompanhar nos passeios até ao ribeiro da herdade, nem fazer-nos companhia nas nossas pequenas aventuras. Primeiro, acostumados à sua presença, não conseguíamos levar a cabo as mesmas brincadeiras sem que se apoderasse de nós uma sensação de vazio. Mas as crianças – apesar de toda a generosidade de que são capazes – também são sempre um pouco egoístas, por isso, eu e Luz depressa nos dedicámos a outros passatempos.

Depois, chegou a altura em que o meu pai achou por bem iniciar a nossa educação e assim, enquanto eu aprendia a ler e a escrever e enquanto Luz tinha aulas de piano, o nosso amigo de infância tratava dos nossos cavalos e ajudava o caseiro no seu trabalho.
Maria da Luz já não dormia no quarto de Cecília e Diogo também já se mudara do meu. Falávamos cordialmente; a nossa relação não era tão fria e indiferente como a que o meu pai mantinha com os criados, mas era como se uma barreira – feita de vidro muito fino mas, ainda assim, uma barreira – se tivesse erguido entre nós.
Não posso precisar o momento em que a construção dessa barreira teve início. Tenho a certeza de que Diogo o sentiu mas, infelizmente, foram precisos cinco anos para que eu o sentisse também.
Uma manhã em que passeava com o meu cavalo perto do sítio onde costumávamos brincar, junto ao ribeiro, uma espécie de instinto fez-me parar o cavalo e vi – como se estivesse a olhar por uma janela para o passado – três crianças. Dois rapazinhos e uma menina de tranças muito loiras, rindo alegremente e perseguindo borboletas e toda a espécie de bicharada.
Mas não estava ninguém no ribeiro além de mim e do meu puro-sangue. Era apenas a minha recordação dos tempos de infância. Não sei o que foi que aconteceu, que força me guiou, mas a verdade é que dei comigo a perguntar-me: o que acontecera à nossa amizade? Porque estava eu sozinho naquele ribeiro onde Luz e Diogo tantas vezes me tinham acompanhado? E há quanto tempo estava eu assim sozinho? Ter-se-ia Diogo esquecido? Teria deixado a nossa amizade adormecer num cantinho demasiado profundo do seu coração, como acontecera comigo? Não, claro que não. Que injustiça! Diogo nunca nos esquecera, tinha a certeza. E como devia estar magoado! Que ingratos nós fôramos, meu Deus! Senti uma espécie de impulso que me dizia que era urgente reparar o mal. Tinha de falar com Diogo, pedir-lhe que me perdoasse, fazer reviver a nossa amizade. Mas o meu entusiasmo transformou-se, de repente, em apreensão. Seria ainda possível fazê-la reviver? Tive a sensação de que já não conhecia Diogo tão bem como um dia conhecera. Seria possível que aquela antiga cumplicidade ainda pudesse voltar a ser o que fora?
Consciente de que nunca o saberia se não tentasse, pelo menos, dirigi-me a passo para casa. E à medida que o cavalo avançava lentamente e os meus olhos iam percorrendo toda a herdade, passavam por mim recordações das nossas brincadeiras, das risadas, das correrias, dos protestos de Maria da Luz quando lhe puxávamos as tranças, da nossa visão infantil das contendas entre liberais e absolutistas. Afigurava-se-me agora tão óbvio que Diogo sempre fora um verdadeiro liberal. Mesmo em criança, quando para mim liberais e absolutistas não passavam de um pretexto para brincadeiras divertidas e enérgicas. Se nunca abandonara a sua reserva e o confessara, fora apenas por receio de que a sua opinião me pudesse influenciar e contribuir assim para um conflito entre pai e filho. Mas toda a sua discrição de nada servira. Talvez o destino de uma pessoa já esteja traçado quando ela nasce, e talvez as linhas do meu destino dissessem que eu me tornaria liberal. Talvez por isso eu estivesse do lado deles sempre que havia uma nova rebelião. Começava a ser difícil disfarçar diante de D. José Ávila. Começava a ser difícil preocupar-me em mantê-lo satisfeito quando as nossas opiniões políticas eram tão diferentes.
Mas era com Diogo e não com o meu pai que eu me preocupava agora. Quando cheguei aos estábulos, após atravessar a herdade, o meu companheiro de infância escovava o Trovoada, o cavalo preferido do meu pai. Virou a cabeça ao ouvir-me e sorriu.

– Já de volta? Não gostou do passeio?
– Sim, gostei – respondi, desmontando e entregando-lhe o animal, para que tratasse dele e o colocasse na respectiva box.

Durante o caminho de regresso, tinha planeado a minha conversa com Diogo. Ensaiara mentalmente cada palavra, para ter a certeza de que me exprima correcta e eficazmente, mas aquela atitude de Diogo, que me perguntara se eu não gostara do passeio, não como se realmente a resposta lhe importasse mas porque se tratava de demonstrar educação e respeito para com o patrão, aquele tom de indiferença, fizeram-me sentir como que uma espécie de incredulidade. Agarrei Diogo pelos braços e olhei nos seus olhos, tentando ler o mais fundo possível na sua alma, para me certificar de que a nossa amizade não morrera. O meu olhar deveria parecer assustador, pois Diogo olhou-me como se eu tivesse enlouquecido.

– Pedro, não se sente bem?
– Meu Deus, Diogo! O que foi que aconteceu? – perguntei, sem o soltar.
– Isso lhe pergunto eu...
– Não, não estás a perceber! Estou a falar da nossa amizade. O que foi que aconteceu à nossa amizade? Perdemo-la? Deitámo-la fora? Não te lembras de como éramos amigos? Não te podes ter esquecido! Diz-me que não esqueceste, diz-me que não perdemos a nossa amizade.

Desta vez, foi Diogo quem agarrou os meus braços e, olhando-me nos olhos, declarou:

– A nossa amizade nunca morreu, Pedro. O Pedro e a Luz é que a deixaram adormecer.
– E podes perdoar-me? – perguntei, já mais tranquilo, ao verificar que Diogo não se esquecera. – E a ela?

Esquecendo pela primeira vez na sua vida a nossa diferença de classes, Diogo deu-me uma palmadinha amigável num ombro enquanto dizia:

– Não há nada a perdoar, meu bom amigo.

Este é apenas um dos episódios que eu poderia contar para ilustrar a generosidade e a nobreza de carácter que Diogo possuía desde muito jovem, mas terei oportunidade de os relatar noutros pontos desta narrativa.
Sentia-me mais feliz agora, reconciliado com o meu amigo de infância, mas faltava uma coisa para essa felicidade ser perfeita. Era Maria da Luz, a minha irmã. Luz e eu nunca tínhamos estado tão afastados um do outro como eu de Diogo, mas tal como eu, ela também deixara a distância entre si e Diogo crescer. Talvez com ela isso tenha acontecido ainda mais naturalmente, por ser mulher e ter interesses distintos dos nossos.
Os rapazes na idade que eu e Diogo tínhamos agora costumam ser egoístas em relação aos seres do sexo oposto. Seria natural que eu e o meu amigo não sentíssemos a falta de Maria da Luz, apesar de ela ter feito parte daquela cumplicidade infantil que nós tentávamos agora redescobrir. Mas talvez porque eu via Diogo corar sempre que passava perto da minha irmã, ou talvez apenas porque não tínhamos praticamente amigos fora do Roseiral e sentíamos a necessidade de nos mantermos unidos, eu queria que também Luz sentisse a nossa amizade renascer das cinzas.
Luz, a mais nova dos três, tinha agora treze anos. O facto de a minha mãe ter morrido cedo fez com que Maria da Luz crescesse mais depressa do que as outras raparigas e desenvolvesse cedo as qualidades femininas que tanta graça dão a um lar. Isso veio dar um pouco mais de alegria ao Roseiral, mas o sorriso sereno e os modos calmos da minha irmã não chegavam para quebrar a seriedade gelada que D. José Ávila transmitia a tudo o que o rodeava.
Luz fizera-se uma bela moça. As formas da mulher começavam a despontar naquela que era ainda uma menina. O corpo alto e esguio conferia-lhe uma certa altivez. Os braços longos moviam-se com agilidade e com a leveza de uma pena, e vê-la tocar piano era como olhar para um quadro perfeito. As belas tranças loiras, prendia-as agora na nuca e o meu pai, que lhe prometera o fio de ouro da minha mãe para quando completasse quinze anos, acabou por lho oferecer no dia do seu décimo terceiro aniversário. Contudo, as feições denunciavam a sua juventude e os seus olhos azuis, tão semelhantes àqueles que eu via no retrato da minha mãe, tinham ainda o brilho da inocência e da pureza, embora deva admitir que ela nunca perdeu esse brilho.
Tal como Luz se fazia mulher, também eu e Diogo nos tornávamos homens, e Diogo não podia ignorar a beleza da minha irmã. Era-me difícil perceber se ele a amava ou se apenas corava e baixava os olhos quando ela passava como geralmente fazem os homens tímidos quando passa uma mulher bonita. Diogo não era excessivamente tímido, mas o seu sentido do respeito para com a nossa família poderia levá-lo a essa reacção. Contudo, talvez porque me seduzia a ideia de ver a minha irmã cortejada pelo meu melhor amigo, inclinava-me a acreditar mais na primeira hipótese e a fazer o papel de Cupido, sem pensar nas consequências que isso poderia trazer.
Agora, que me sentia feliz e também orgulhoso por ter novamente Diogo como amigo, toda a solidão que há muito vinha sentindo, desaparecera. Não só tinha alguém com quem conversar, mas também alguém com quem podia debater as minhas ideias liberais, pois sempre que tocava no assunto com o meu pai, ele acabava por ameaçar que ainda me expulsava de casa. Já raramente me sentia melancólico nos meus passeios pela herdade, pois apesar de Diogo não me poder acompanhar por estar sempre ocupado, sabia que tinha a sua amizade. Agora, quando chegava a casa, já raramente me recolhia ao quarto para enfiar o nariz em livros que já lera pelo menos três vezes. E quando regressava e entregava o meu cavalo a Diogo, ficava horas a conversar com ele, enquanto ele tratava dos animais.
Às vezes, via o meu pai a olhar pela janela do seu quarto com ar reprovador e sentia-me simultaneamente aborrecido e assustado. Aborrecido porque me era intolerável aceitar que o meu pai controlasse a minha vida e se sentisse no direito de aprovar ou desaprovar os meus amigos. E assustado porque... Bem, a verdade é que não sei bem porquê. O olhar de D. José Ávila tinha o efeito de assustar qualquer um. Era um olhar de ódio, de ameaça, e o meu receio era que esse ódio recaísse sobre Diogo. Não poucas vezes proferira a ameaça de me expulsar de casa, por ocasião das nossas discussões em torno da política. Que lhe custaria pôr Diogo na rua?
Por esse motivo, tentava ser discreto, de forma a não provocar a sua ira, mas jurei a mim mesmo nunca voltar a abdicar da amizade de Diogo.
Como eu dizia, tudo era quase perfeito. “Quase” porque nos faltava Maria da Luz. Quando um dia falei a Diogo sobre o assunto, propondo-lhe que falássemos abertamente com ela como eu fizera com Diogo, ele advertiu-me:

– Isso não será tão fácil como pensa.
– Porquê?

Diogo, que deitava comida aos cavalos, suspendeu os seus movimentos e encarou-me.

– Maria da Luz é boa moça – disse. – Tem bom coração, mas emocionalmente, depende mais de D. José do que o senhor.
– Não me chames senhor. E não vejo o que possa ter isso a ver com o assunto.
– O que eu quero dizer é que Luz não vê o nosso afastamento com os mesmos olhos que o Pedro. Como D. José, ela pensa que foi uma coisa natural, que tinha de acontecer.
– Mas não achas que se falarmos com ela, a podemos convencer de que está enganada?
– Talvez. Mas talvez seja mesmo melhor deixar as coisas como estão. D. José já não gosta muito de que o seu filho seja meu amigo. Imagine o que seria se achasse que eu queria desrespeitar a sua filha.
– A amizade não tem nada de desrespeitoso.
– Para mim e para o Pedro, não. E possivelmente, para Maria da Luz também não. Mas para D. José...

Apesar da reserva cautelosa do meu amigo, consegui levá-lo a falar com Luz, embora tivesse de me servir de um pequeno estratagema. Diogo já havia decidido deixar as coisas como estavam, por respeito a meu pai e porque imaginava que Luz não estaria interessada em fazer reviver aquele sentimento tão bonito que nos unira em crianças. Mas eu estava determinado a fazer com que tudo voltasse a ser como era, pelo que não ia desistir facilmente.
Um dia em que o meu pai tinha saído, arrastei Diogo até à sala sem lhe dizer para quê. Maria da Luz, que lá se encontrava a praticar piano, suspendeu a música e fitou-nos do seu banquinho. Parecia surpresa por nos ver ali, e com ar curioso e um leve sorriso a brincar-lhe nos lábios, indagou:

– O que fazeis aqui?
– O Diogo quer falar contigo.
– Pedro... – ia ele protestar.
– Passa-se alguma coisa? – insistiu a minha irmã.
– Não se passa nada, Maria da Luz. O seu irmão é que não está bom do juízo...

E preparava-se para se retirar, mas eu segurei-o por um braço. Não estava disposto a deixar tudo ficar por ali.

– Pois muito bem – disse eu. – Se não falas tu, falo eu.

E fitando Luz nos olhos, com esperança de que ao ver a sinceridade dos meus sentimentos, qualquer reserva ou receio fossem afastados, indaguei:

– Luz... Lembras-te das nossas brincadeiras de miúdos?
– Sim... – respondeu ela, obviamente sem perceber onde é que eu queria chegar. – Foram tempos divertidos.
– Precisamente. E nós queremos fazer reviver esses tempos!
– Não te entendo, Pedro.
– Luz, talvez ainda não te tenhas dado conta, mas a nossa amizade foi ficando esquecida à medida que crescíamos. Com o Diogo sempre ocupado, deixámos de lhe falar como dantes e tratamo-lo como um criado qualquer.

Fiz uma pausa para avaliar o efeito que as minhas palavras estavam a causar, quer em Luz, quer em Diogo. A minha irmã parecia demasiado surpreendida para saber o que responder, e Diogo perscrutava a sua expressão com tanto interesse como eu. Senti que Maria da Luz estava a ser sensível às minhas palavras e tentei tirar proveito disso.

– E mesmo nós os dois – continuei, procurando tocar mais fundo a sua alma – que somos irmãos, perdemos aquela cumplicidade.
– Mas Pedro, não se pode fazer reviver uma coisa dessas.
– Porque não?
– Porque era apenas uma amizade de crianças que não morreu por acaso, contrariamente ao que possas pensar. Morreu porque tinha de morrer. Só estava certo enquanto éramos crianças e acabou porque estava certo que acabasse.
– Não compreendo, Luz. Se estava certo então, porque não agora?
– Na altura, não tínhamos, praticamente identidade. Éramos apenas três crianças. E agora...

Luz interrompeu-se, sem saber muito bem como terminar o que queria dizer. Foi Diogo quem terminou a sua frase, e embora ele já tivesse previsto aquela reacção, estava profundamente magoado.

– Agora, – continuou ele – vocês são os filhos de D. José Ávila e eu sou o filho da criada, o moço de estrebaria.

E depois de uma pequena pausa:

– Não é isso?

Luz ficou algo constrangida, mas admitiu:

– Bom... Sim, é isso.
– Não acredito no que oiço! – exclamei. – É como se estivesse a ouvir D. José Ávila e todo o seu moralismo!
– Ouve-me, Pedro!
– O pai bem se pode orgulhar de ti!
– Pedro, – interrompeu-me Diogo, bastante calmo e sem se mostrar ofendido com os comentários grosseiros de Maria da Luz. – Deixe a sua irmã falar.

Apesar de contrariado, calei-me e dispus-me a escutar.

– Pedro, o pai sempre foi bom para nós. Pensou sempre no nosso bem-estar e se ele nos diz que a diferença entre nós e Diogo existe, que direito temos nós de duvidar? Porque hei-de acreditar que és tu e não ele quem tem razão? Eu gosto do Diogo, mas apenas posso gostar dele como de um criado fiel. Os nossos destinos são assim. Nós nascemos com o apelido Ávila, temos de o honrar, e por vezes, isso implica fazer alguns sacrifícios. Diogo nasceu num berço mais modesto. É um homem de bem e por isso respeito-o e admiro-o, mas a cumplicidade que existia quando éramos crianças, como eu disse, tinha de morrer. Tenho a certeza de que Diogo compreende.

Maria da Luz olhou Diogo como que suplicando-lhe que confirmasse e eu julguei que ele o fizesse, pois pelo pouco que ele interviera na conversa, julguei que se voltasse a interferir, seria para defender a posição de Luz que, de resto, ele já adivinhara mesmo antes de a conversa ter tido lugar. Contudo, Diogo respondeu:

– De certa forma, compreendo, Maria da Luz. Compreendo que não queira contrariar os desejos do seu pai, compreendo que não o queira magoar. Mas D. José Ávila é D. José Ávila e Maria da Luz é Maria da Luz, pessoas distintas, e eu não acredito por um só instante que Maria da Luz se tenha aniquilado tão completamente como ser humano capaz de ter opiniões próprias como nos quer fazer acreditar. E não acredito que a parte de Maria da Luz que ainda pensa com a sua própria consciência e não com a de D. José Ávila sinta as coisas da maneira que nos disse.

Maria da Luz abriu e fechou várias vezes a boca, à procura de argumentos para contestar, mas não conseguiu encontrar nenhum. Parecia aturdida pelas palavras de Diogo, como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Eu próprio me sentia zonzo com aquele discurso. Diogo pareceu achar cruel continuar ali à espera que Maria da Luz encontrasse uma resposta, pois preparando-se para retirar, disse:

– Luz, o que quer que decida fazer com a nossa amizade, eu entenderei. Penso que entenderei mesmo se resolver esquecer que alguma vez nos quisemos como amigos. Mas antes de o fazer, pense no que eu lhe disse.

E Diogo saiu novamente para a herdade, seguido por mim. Meu Deus, como eu me sentia desiludido com a minha irmã! Que frieza! Sim, D. José bem podia orgulhar-se da sua filha! Então nós, porque nascêramos Ávilas, éramos grandes senhores, ainda que as nossas almas fossem vazias! Não há nada mais triste do que uma alma vazia... E Diogo, a pessoa com o coração mais generoso que eu conhecera até então e, sem dúvida, até hoje, devia ser tratado como inferior só porque nascera numa classe social mais baixa!
Diogo deve ter reparado em como eu me sentia em fúria, pois sorriu e, colocando uma mão sobre o meu ombro, disse:

– Eu preveni-o. Eu sabia que Maria da Luz ia reagir assim.
– Sabes, numa das discussões que tive com o meu pai acerca do liberalismo, ele disse-me: “És muito novo e deixaste-te seduzir por essas tolices, essas ideias completamente erradas acerca da liberdade. Achas que é muito bonito um nobre e um lavrador serem amigos; achas muito bem que uma filha de famílias aristocratas se case com um camponês, mas quando chegares à minha idade, saberás dar o devido valor à tua classe. Não entendes que hoje todos te respeitam só porque és meu filho e amanhã, se os liberais conseguirem os seus intentos, o nosso nome pode não valer nada?” Respondi que o nosso nome não deveria valer pela nossa fortuna ancestral e sim pelo nosso trabalho e dignidade, e ele disse-me que se eu estava disposto a trabalhar, então que me tornasse liberal. Como se trabalhar fosse uma coisa desonrosa...

E voltando-me bruscamente para Diogo, acrescentei:

– E toda aquela conversa da Luz acerca do nascimento e das classes era exactamente a mesma coisa!
– Não, não era exactamente a mesma coisa.
– Ai, não? E qual é a diferença?
– Só uma, Pedro. D. José sentia o que disse e Luz não.
























































































































Sem comentários:

Enviar um comentário