quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A CASA ABANDONADA Capítulo IV (PROVISÓRIO)

IV

Os primeiros dias decorreram sem incidentes e Ema andava tão entusiasmada que mal reparou em certas coisas estranhas que se passaram. Primeiro, foi a rosa branca que apareceu no chão, à porta do quarto. Na altura, Ema perguntou a Daniel se fora ele que ali a deixara. Ele estivera a apanhar rosas no jardim, mas garantiu que não subira com elas para o andar de cima.
– Deixei-as todas na sala, dentro da jarra, para te fazer uma surpresa. Não te lembras? Talvez tenhas pegado numa para pôr no quarto...
Ema lembrava-se da jarra com as rosas, mas não tinha mexido nela. Comentaram o assunto por mais alguns dias e depois, esqueceram-no, cada um convencido que fora o outro quem levara a rosa para cima, tendo-se depois esquecido.
Depois, deu-se a questão da janela. Uma noite, Ema acordou com um barulho estranho vindo do andar de baixo. Ficou por uns momentos sentada na cama, tentando perceber se estava a sonhar. Quando viu que não era sonho, demasiado assustada para ir sozinha ver o que era, acordou o marido. Não tinham armas em casa, mas não queriam ir desarmados enfrentar um possível assassino, pelo que cada um pegou num objecto pesado e desceram cautelosamente. Na escada, Ema sentiu uma corrente de ar frio.
– É a janela – concluiu. – Está aberta.
Ema tinha razão. O barulho que ouviam era provocado pelo vento que fazia a janela abrir e fechar. Daniel percorreu a casa toda para se certificar de que não havia nenhum intruso, mas, mesmo depois de terem a certeza de que não havia perigo, já não foram capazes de dormir.
– Tens de ter mais cuidado – disse Daniel. – É perigoso esquecer as janelas abertas de noite.
– Eu?! – Eu nem sequer a abri. O descuidado és tu.
– Ema, sabes bem que eu nunca me lembro de abrir as janelas. Tiveste de ser tu...
– Há mais de três dias que não toco naquela janela.
– Então, há mais de três dias e três noites que ela está aberta.
A lógica da resposta pareceu convencer Ema e nenhum se lembrou que era estranho que, estando a janela aberta há tanto tempo, só naquela noite tivessem dado por isso.
Deu-se ainda o caso da fatia de bolo. Todos os domingos de manhã, Ema e Daniel tinham uma espécie de ritual. Gostavam de se levantar cedo e, enquanto ele arranjava o jardim, ela fazia o pequeno-almoço. Costumava deixar o de Daniel em cima do parapeito da janela da cozinha, que dava para o jardim, para que ele não tivesse de entrar para comer. Nesse dia, tinha um bolo que tinha feito na véspera e colocou uma fatia num pires. Colocou o pires e uma chávena de café numa bandeja e colocou a bandeja na janela, como de costume. Em seguida, continuou a tratar do que tinha a fazer, sempre sem sair da cozinha. Não demorou a ouvir Daniel.
– Que tal uma fatia daquele bolo que fizeste ontem?
Virou-se e viu que a fatia tinha desaparecido. Sorriu, bem-humorada.
– Mas que guloso!
Cortou outra fatia e colocou-a no pires. Daniel acabou de arrancar algumas ervas e só depois se aproximou da janela.
– Então, esse bolo?
Ema viu novamente o prato vazio.
– Não achas que é um exagero?
– Do que estás a falar? – Perguntou ele, admirado.
– Ainda agora comeste duas fatias. Três de uma vez é capaz de ser demais. Porque não deixas para o lanche?
– Ema, não comi fatia nenhuma.
Pela primeira vez, Ema percebeu que ele estava a falar a sério.
– Não percebo... Coloquei uma fatia e desapareceu. Pensei que a tinhas comido. Quando pediste o bolo, pensei que querias repetir e pus outra fatia. Se tu e eu não as comemos, o que foi que aconteceu?
– Talvez algum garoto... Percebeu que puseste o bolo na janela e aproveitou a oportunidade.
– E se não foi um garoto? Têm acontecido coisas estranhas desde que estamos nesta casa.
– O que queres dizer? Não estás a pensar que foi algum fantasma...
– Bem... Não, acho que não. Tens razão, era impossível. Mas... E se é alguém a querer assustar-nos? Estamos um pouco isolados, aqui no cimo da colina, e nunca se sabe os tarados que podem aparecer.
– Bom, também já tinha pensado nisso, na noite em que a janela ficou aberta... Mas acho que não nos devemos preocupar. Tenho a certeza de que foi algum garoto que levou o bolo.

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