quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A CASA ABANDONADA Capítulo I (PROVISÓRIO)




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Afinal, ainda há mais escrita do passado. Mas desta vez, em prosa. Este conto foi escrito há já alguns anos e de tudo o que escrevi em prosa, parece-me a única coisa que aqui merece estar.





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I
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Todos nós temos fantasmas. Podem assumir a forma de uma saudade deixada por alguém que partiu, uma recordação desagradável do passado que nos persegue, um medo que não conseguimos afastar... São as coisas que ficam gravadas na nossa mente por serem demasiado fortes ou demasiado terríveis para apagar. Mas poderá ser mais do que isso?
Ema Salgueiro lembrava-se das noites de Inverno que tinha passado à lareira em casa da avó, a ouvir as histórias sobre fantasmas e lugares assombrados, ou sobre gente enfeitiçada, que ora tirava dos livros, ora inventava. Regra geral, os fantasmas de que a avó falava não eram criaturas antipáticas, nem perigosas; eram antes seres atormentados que por este ou aquele motivo tinham ficado suspensos entre este mundo e o outro. É claro que também os havia maldosos, tal como acontece com os vivos, mas não era pelo simples facto de serem fantasmas que constituíam ameaça para alguém.
A casa onde Ema e o marido se preparavam para entrar tinha sido palco de muitas das histórias inventadas pela avó, por causa do ar sombrio que tinha na altura em que Ema era criança. Situada num ermo solitário e rodeada de vegetação agreste, a casa fora abandonada, havia mais de cinquenta anos, pela família que a possuía, e que tinha partido para o estrangeiro. Desde criança que Ema sentia fascínio por aquela velha mansão imponente. Chegara a tentar entrar, mas nunca lhe fora possível abrir nenhuma das pesadas portas de madeira. Mal podia acreditar que aquele velho palacete era agora seu! Tinha conseguido juntar algum dinheiro que obtivera da venda de umas esculturas e que o marido ganhara a trabalhar como agente publicitário, juntaram a pequena fortuna deixada pelos avós de Daniel, e ambos decidiram aplicar esse montante na compra de uma casa. Há muito que Ema sonhava tornar seu aquele casarão e dar-lhe vida, fazendo desaparecer aquele ar lúgubre que o edifício exibia a quem passava. Estava abandonado há tanto tempo que julgou possível que os donos não se importassem de o vender. O difícil foi contactar a família. Tiveram de percorrer a região à procura de alguém que soubesse onde estava, fazer telefonemas e enviar cartas a pessoas que, segundo lhes diziam, poderiam saber de alguma coisa, até que encontraram alguém que lhes deu a morada e o número de telefone dos donos da casa. Estavam, como se dizia, no estrangeiro – mais exactamente, em França – e ficaram satisfeitos por se verem livres de uma moradia que já tinham esquecido e onde não pensavam voltar, ganhando ainda algum dinheiro.
Daniel contratou então um advogado para tratar da papelada e viajou com ele até à aldeia onde estavam os donos do casarão, para assinarem o contrato. Quando regressou, com tudo tratado, Ema lançou-se-lhe ao pescoço, feliz como uma criança. O seu sonho de menina estava, finalmente, realizado.






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