domingo, 18 de outubro de 2009

O ESPELHO


Visto que este blog pretende ser um blog de poesia, vou começar por publicar o poema que, de todos os que escrevi até hoje, é o meu preferido. Não tanto pela qualidade do poema, mas porque saiu do mais profundo do meu ser.


Detém-me o assombro diante do espelho
Ao ver à espreita o monstro que em mim dorme,
O corpo torcido e o rosto disforme,
Peçonha feita de sanha e mau conselho.

De onde saiu tão fera criatura?
De nefasta, fortuita adversidade
Ou funesta natural desventura?
Porque teima quando morto e findo o creio
Em mostrar a odiosa fealdade
Como se ao meu repúdio fosse alheio?

Não sabe com que fúria o rejeito?
Com que garra o arranco do peito?
Não serei nunca livre do veneno
Que nas veias meu sangue contamina
E que em negra tristeza repentina
Disfarçada de ânimo sereno
Me enreda como teia de seda fina?

Mas gerou-me também outra linhagem
Onde vingam a honradez e o brio
E pode triunfar neste desafio
Mesmo quem parte só com meia vantagem!

E se me faltar parte de boa herança
E a perfídia me quiser tragar,
Não há-de faltar a perseverança.

Só depois do caminho navegado
Saberei se a bom porto pude chegar
E se o torpe monstro foi derrotado.

Segue assim aberta a minha história
Até que o presente seja memória
E a terra que é hoje minha guarida
E onde deposito cada passo
Se compadeça enfim do meu cansaço
A minha existência dê por cumprida
E me receba em seu materno regaço.

1 comentário:

  1. Ao ler este poema relembrei uma frase de Karen Blixen que diz: «O percurso da vida torna-se mais fácil aos Homens se tal como os barcos, quanto mais oco for o seu interior, mais facilmente se mantêm à tona».
    O percurso da vida torna-se, sem dúvida, mais doloroso, mas só os intelingentes, ao contrário dos espertos, perferem alimentar-se de coisas verdadeiramente intensas. Obrigada Daisy por seres como és.

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